TRÊS POEMAS INÉDITOS DE ÉRICA MAGNI
Érica Magni.
Dia das Mães em Monte Alto
“ver o mar é importante”,
passa o homem no carro
oferece a panela de siri
Natan cortando o baralho
responde que não come
o crustáceo oferecido
uma carta cai no chão
estalando, voa alto,
salta fora do baralho
apontando mulheres
sentadas naquele bar
negam-se a trabalhar
nas casas, pois é data
que cobra a figura,
presença, sustância
hoje as mães estão
sentadas nos bares,
ninguém será capaz
de interpelar as mães
hoje as mulheres são
donas de seus sonhos
o homem frente a nós
um filho de alguém
quase tão insuportável
o cheiro de seu corpo
abandonado pela mãe
deve pensar cadê a mãe
que tanto já o alimentou
agora na sarjeta da vida
se lembra com distância
do bico em que mamou
a própria mão do filho
embala o maxilar inquieto
num movimento específico
de pureza orgulhosa, glória,
dor, ódio, desleixo por si
deve recordar da mãe alta
divagando no tanque de lavar
sem comer nada há dias
a mente já perece fraca
ele e o corpo dele na calçada
à mercê deste ou outro poema
desembrulha o casaco corta vento,
veste como quem nada está fazendo
as pernas abertas junto ao chão
escorado no canteiro, escora a dor
de ser um filho largado à sorte,
estranho de pensamentos em discórdia
pássaro fora do ninho,
sua pestana única convida ao mundo
considerar se as coisas passam,
se realmente passam,
se o silêncio perde ou ganha,
a eternidade de um instante,
uma mulher durante todo esse poema
gritava no fundo do bar: eu sou cuidadora.
A morte de bunda seca
Tornado matou bunda seca por fêmea,
o velho Gandalf na camiseta do arauto,
(quem usa um abadá com personagem
do filme O Senhor dos Anéis?)
ele, o portador da péssima notícia:
Tornado matou o cão bunda seca,
protetor do território da divisa
da praia com a Rua Marimbás,
aqui homens que se empolgam
com música pop inglesa, gritam,
bunda seca se foi precocemente
assassinado por mais quatro cães
numa revolta territorial na praia,
o homem com abadá do Gandalf
conta sobre um outro homem
que chega sempre alcoolizado
e deixa seus pitbulls soltos na
vizinhança fazendo barbaridades
estes que quase que trucidaram
a sua cachorrinha Penélope:
“Imagina se fosse uma criança”
Ric surge com um perfume forte
bermuda branca, monta na moto,
os homens zombam, chamando
o rapaz de motoqueiro fantasma,
“é que essa noite estou de folga”
ele diz sorrindo e põe o capacete
montando firme na máquina como
se fosse um bicho a ser domado.
Mas isso nunca, nunca, não esteve deitado num colo de amor profundo
que pena, você não veio,
perdeu os corais arrombando
os pés descalços, reclames
insólitos dos cactos que se
misturam aos homens
escondidos nas pedras,
o amor que nos é curativo
se expressa pelas bocas
mastigando cheias nos PF 's
que temos comido na praia,
somos engraçados subindo
o morro para adorar o sol,
intercalando assuntos
estranhos em conversas
sobre traumas infantis,
nós nunca deixamos
de sentir que nos tiraram
muito do riso frouxo
do brilho nos olhos,
de todos os saberes.
reflito sobre o soco
na garganta que levei
o corpo que empurro
no sonho, e o ímpeto
me deu força para
expandir a graça
de meus sentidos,
perpetuar palavras
com a esperança
de seguir traduzindo
os momentos férteis
Érica Magni é cria da Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio, e viveu em Roraima metade da infância. É formada em jornalismo há 19 anos. Morou na Espanha e na Islândia, trabalhando com projetos que unem comunicação, poesia e Direitos Humanos. Atualmente trabalha na Scale AI, que cuida da conta do Google e desenvolve conteúdo de inteligência artificial, exercendo o cargo de "Teacher AI". Em 2023, lançou o segundo livro Areia na Olhota pela Editora Pedregulho. Em 2022, criou o podcast “Rádio-Carta Mulher”. Em 2021, editou o livro Diário de Área, desenvolvido com indígenas Yanomami. Publicou Poérica na Flip 2019, pela Editora Cousa.
Variações: revista de literatura contemporânea
XII Edição, ano III - lâminas, línguas e Eros
Edição de Bruno Pacífico
2024
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