"Vozes à Margem: Explorando a Literatura Marginal e Periférica no Brasil", entrevista com Patrícia Marcondes de Barros para Andreza Modesto, em 25 de agosto de 2024.
"Vozes à Margem: Explorando a
Literatura Marginal e Periférica no Brasil", entrevista com Patrícia
Marcondes de Barros para Andreza Modesto, em 25 de agosto de 2024.
Profa. Patrícia Marcondes de Barros
(UEL) com as obras do poeta Nicolas Behr, poeta marginal dos anos 70. Foto de
João Henrique Marcondes dos Santos
A professora Patrícia Marcondes de Barros leciona no
Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. É Doutora em
História (UNESP) e em Estudos Literários (UEL), com pesquisas de pós-doutorado
(Estudos Literários - UFU, Literatura, Cultura e Tradução - UFPEL) sobre a
contracultura no Brasil e a literatura marginal e periférica. Com uma
trajetória acadêmica marcada pela dedicação ao estudo das expressões culturais
de resistência, ela busca compreender as dinâmicas sociais e políticas que
envolvem a produção literária fora dos circuitos tradicionais. Nesta
entrevista, discute as implicações da literatura marginal dos anos 70 e a
periférica atual, abordando como essas obras questionam e desafiam as
narrativas hegemônicas, ampliando a compreensão sobre a identidade, a memória e
a resistência cultural.
Patrícia, sua pesquisa recente sobre
Guilherme Mandaro, poeta dos anos 70, contribui significativamente para a
compreensão da literatura marginal e da contracultura. O que despertou seu
interesse pela literatura marginal?
Patrícia - O interesse pela literatura marginal dos anos 70
surgiu a partir dos meus estudos sobre a contracultura e sua capacidade de
desafiar as normas estabelecidas. A poesia marginal, a que me dedico em
pesquisa, foi expressa em jornais, revistas de cunho independente e livros
produzidos em mimeógrafo relacionados intimamente com as propostas da
contracultura tendo como característica o fazer-se à margem do sistema social e
cultural vigente, não apenas renovando as formas estéticas, mas provocando e
propondo mudanças nas próprias práticas culturais, nos modos de conceber a
literatura, fora do cânone, do sistema editorial e mercadológico. A dialogia
antropofágica modernista que devorou outras manifestações artísticas do
presente/passado, nacional/estrangeira, desvelou formas diferenciadas de se
viver e fazer as críticas ao sistema, embalados ao som do rock na perspectiva
sensorial da poesia performática: “corpo na ação”, linguagens da vida moderna.
Comecei a me aprofundar na obra desses poetas marginais que através de novas
linguagens não só documentaram a realidade de quem viveu sob uma ditadura
militar, mas também desafiaram o status quo abrindo espaços para novas
perspectivas culturais e de resistência. Dentro deste espectro de autores
marginais, me interessei pela poética de Guilherme Mandaro e o que me fez fazer
a pesquisa foi o fato de não ter nada escrito essencialmente sobre ele. O objetivo principal foi então o de
introduzir o poeta Guilherme Mandaro a um público mais amplo, considerando o
alcance limitado de sua obra até então. Em linhas gerais, os dois primeiros
capítulos da pesquisa contextualizam historicamente a produção do poeta em meio
à ditadura militar e à contracultura, enquanto os dois últimos tratam de sua
biografia e análise da produção poética.
2 Como a performance contribui para
disseminar e popularizar a poesia marginal atraindo audiências mais diversas ou
amplas em comparação com a poesia tradicional?
Patrícia - A prática performática atrai audiências mais
diversas ao proporcionar uma experiência dinâmica e envolvente, e ao situar a
poesia marginal dentro de contextos culturais e sociais mais amplos. Elementos
estéticos, como linguagem, imagens e performances, são fundamentais para a
formação e contestação das ordens políticas, desafiando a ideia de que a
política e a arte devem ser separadas. A arte tem o potencial de criar espaços
de dissenso e questionamento, o que é intrinsecamente político. Das performances
dos coletivos poéticos dos anos 70, moduladas pelo desbunde, aos slams de
poesia da atualidade, há a ocupação de espaços para que vozes marginalizadas e
minorias possam expressar suas histórias e perspectivas. No Brasil, nomes como
Ryane Leão, Luz Ribeiro e Emerson Alcalde são alguns dos muitos poetas
performáticos que têm se destacado nesse cenário. Vale ressaltar que as novas
tecnologias e plataformas digitais desempenham um papel importante na
divulgação da expressão poética e na formação de novos públicos.
3 Patrícia, como você percebe a
relação entre a poesia marginal dos anos 70 e a poesia marginal periférica dos
anos 90? Há continuidade ou transformação nas temáticas, estilos e contextos
culturais?
Patrícia - A linguagem poética, inserida em um contexto
histórico e linguístico, pode ser considerada um gesto de resistência e
subversão ao sistema instituído. A poesia marginal dos anos 70 e a poesia
periférica atual diferem em vários aspectos, embora compartilhem algumas
semelhanças em sua essência contestatória e de resistência. No século XXI, a
potência política intrínseca à poesia marginal dos anos 1970 continua a ser
subestimada e, muitas vezes, descontextualizada, tanto no âmbito acadêmico
quanto nos movimentos literários periféricos. Essa marginalização reduz a
complexidade dessa poesia a estereótipos simplistas, como a visão de que se
tratava apenas de uma expressão sem importância estética e histórica advinda de
“jovens burgueses desertores de causas sociais”, envoltos pelo americanismo
advindo da contracultura e assim, sua revolta não teria validação como
movimento social e político. Essas percepções variam conforme as
caracterizações doutrinárias das estruturas políticas estabelecidas, perpetuando
uma compreensão dualista inerente ao sistema dominante que contrapõe o estético
ao político. Esse pensamento dualista continua a dominar o cenário polarizado
da política tradicional e dos cânones artísticos e acadêmicos, persistindo na
eleição “dos temas que são importantes dos que não são", assim como na
definição do que é considerada poesia ou não. Esse paradigma estabelece uma
hierarquia, onde a estrutura política é compreendida como uma esfera antagônica
à estética e, consequentemente, como mais importante na sociedade. Essa
perspectiva limitada não apenas prejudica a compreensão da poesia marginal dos
anos 1970, como também perpetua um distanciamento entre a arte e a política que
pode ser enriquecedoramente explorado e compreendido. Jacques Rancière (2009)
propõe uma emancipação estética que vai além da mera apreciação da arte,
defendendo que a verdadeira política é aquela que perturba as categorias
convencionais e desafia as formas estabelecidas de percepção. Essa perturbação
ao estabelecido pode ser encontrada nos poetas marginais da geração de 1970,
abertos a experimentações e desconstruindo a ideia de linguagem, refletindo uma
postura anti-institucional e anti-hierárquica. A circulação das obras dos
poetas marginais frequentemente ocorria por meio de publicações alternativas
produzidas em pequenas editoras independentes. Esse método de distribuição
estava em consonância com a postura desse grupo de jovens poetas, contribuindo
para a disseminação das vozes contraculturais e foi também, uma resposta direta
ao contexto político da época. Já a poesia marginal periférica, que começou a
ganhar visibilidade a partir dos anos 90, está enraizada nas periferias urbanas
e nos movimentos sociais. Poetas como Sérgio Vaz, Ferréz, e os participantes
dos coletivos de poesia marginal das periferias de São Paulo, como o Sarau da
Cooperifa, abordam temas relacionados às vivências de marginalidade social,
racial e econômica. São literaturas em margens diferentes e ambas são
importantes dentro no entendimento da história literária e história do Brasil.
Estou organizando junto ao prof. Cleber José de Oliveira (UFGD) para este
segundo semestre de 2024, duas edições temáticas na revista científica Boitatá
- Revista do GT de Literatura Oral e Popular (UEL), dedicada ao tema,
destacando os cenários diferenciados da literatura marginal brasileira com
entrevistas realizadas com os poetas Nicolas Behr e Emerson Alcalde,
representantes da poesia marginal em diferentes contextos. A alta demanda de
artigos recebidos pela revista no dossiê intitulado: “Literaturas
marginais e periféricas: tensões, interseções, rupturas e resistências” refletem
a potência dessa poesia na ocupação dos espaços, como disse Torquato Neto um
dia: “Acredite na realidade e procure as brechas que ela sempre. Primeiro passo
é tomar conta do espaço”.
Revista Boitatá: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/boitata
Obra citada: RANCIÉRE, Jacques. A partilha do Sensível: estética e política. Tradução: Mônica Costa
Netto. 2a Ed, São Paulo; Editora 34, 2009.
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