DOIS POEMAS DE RIAN MOREIRA



Rian Moreira.

Poemas publicados no livro Longa travessia ser a dentro, na editora Folheando.


Procrastinatum

 

O horário sem juízo

Fuso sem Nixon

Um dia eu começo

E o comércio

Open 24h

Na estação do lá vou eu

E mais uma vez... Não!

Inapto ao relógio

Guardando suas horas

Em bancos e demoras

Por vezes operários

De seu próprio opróbrio

Que em toda jura

Jura que paga com juro

E no fim enrola o amanhã

Até que esse chega

E cobra com juro

Um dia perdido

É uma vida penada

Alma penando

Em sua própria pena

Em Charles Chaplin

Vagabundo,

Bon vivant,

A procura de meias noites em Paris

Olha a Lua

Na tua rua

Exclama:

“Roubaram meu tempo”

Assim segue se autossabotando

A fama e glória

Jamais conquistada

Em uma terra plana

Com as estrelas feitas

De papel celofane.


 

Nas noites frias e sem esperança de Capacity


Em Capacity

Não há Batmans

O morcego não deu as caras

Mesmo com toda sorte de vilões,

Coringas, Pinguins e Charadas.

Nas noites frias e solitárias

Há mais do que penumbra

E grilos a zunir

 

Há motoqueiros enlouquecidos

Grunhido com suas motos

Atravessando as vielas

Ateando fogo pelas descargas

Há grunges, punks, skinheads

E toda sorte de playboys.

 

Penduram as chaves

Como se fossem símbolos

Não do que são

Mas do que têm

Como se dissessem

“Ei, monte em minha garupa

Vamos varar a noite

Iremos tão rápidos

Que o sol não nos irá alcançar”.

 

É tão fácil ser bem-dotado

Quando se tem dinheiro

Ficam mais altos

Mais fortes

Bravos garotos alemães...

Nas casas há mais do que os proprietários mostram:

Há cadáveres escondidos a sete chaves

Em armários meio fechados

Que se abrem quando os outros dormem

E de dia são pais de famílias

São ótimas donas de casas

São exemplos de moral e bons costumes

Mas quando os outros não veem,

Outros que não convêm,

Os outros para quem representam como um teatro

Vivem contos dignos de Sade.

 

Em Capacity há os poetas oficiais,

Solenes e alegres,

Fina flor da sociedade

Exortando um passado galhardo

Heroico e nostálgico.

 

E os dos becos,

Os que falam o que não convém

Os bocas de inferno

Os malditos

Os que sempre serão oposição

E por isso sem crédito

 

Os da mansarda

Que tiveram amigos mais importantes

De Ezra Pound a Elizabeth Bishop

E ficaram

Comeram feijão

Sobreviveram

Em Parterson sem Parterson.

 

Aqueles que cantam a verdade e a desgraça de todos os

                           [dias

Da vida que não é um colchão Ortobom

Ou uma bandinha da cidade

 

Poeta, deixa o teu rio descansar

Nem vivo está

Está morto.

Saudades todos nós sentimos

Mas já não há

Despejaram excremento e há vala

Enquanto rires com os mesmos que fizeram

Compareces na cerimônia do mais novo

                     [conjunto

Enquanto o mesmo matou mais um rio,

Brinda a posse do novo emissário

Enquanto este desviou mais um quinhão,

Mas se perdoa:

Ele pertence à society

É um dos mecenas que nos custeiam

Então tudo bem

Aplaudamos

O lobo com pele de ovelha

O poeta que se cala

E a sociedade com seus cadáveres.

Aplaudamos os seus filhos

Herdeiros do império

Que nunca conheceram o trabalho

E riem daqueles que fazem por pouco

E eu estou sujo

E eu não sou menos que nada.

 

Não há heróis em Capacity

Fazer o sinal não trará o morcego

Apenas sigamos

Até sermos excomungados

Ou coisa pior nos aconteça



Rian Moreira, poeta e cineclubista, nasceu em Bragança, mas se mudou para Capanema aos três anos. Optou por desenvolver seus projetos e representar Capanema, por crê que Bragança já possui muitos artistas que fazem isso bem. Em 2023, foi contemplado pelo prêmio literário da Fundação Cultural do Pará (FCP) com o livro Longa travessia ser a dentro, lançado na Feira Literária Pan-Amazônica e na Bienal do Livro de São Paulo. É o idealizador do Cine Barão de Capanema e do I Festival de Cinema de Capanema - evento no qual também lançou sua obra e possibilitou que outros escritores divulgassem o seu trabalho. Acredita em poemas que vençam o parque dos dinossauros e pensa sua poesia como uma amálgama: uma fusão de elementos que, à primeira vista, parecem desconexos, mas se unem para formar algo maior. Suas principais influências incluem Max Martins, Fernando Pessoa, os beatniks e tudo que cruza seu caminho e dialoga com a sua poética.


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XII Edição - quilômetros de susto: poéticas do não
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