O discreto e aprazível charme das férias nos trópicos - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 


O discreto e aprazível charme das férias nos trópicos



Gutemberg Armando Diniz Guerra




           As férias podem ser muito boas e a baixo custo, se os critérios para o seu gozo forem seletivos, priorizando-se o lazer, a contemplação da natureza e a relação com a simplicidade dos vizinhos próximos de localidade, classe social, reduzidas posses e ampliados afetos. Normalmente elas, as férias, são entendidas como tempo de ócio, o que para os religiosos é alarmada como perigo! Para os puritanos, “férias são feras!” porque se deixam flexibilizar as regras, porque se dorme e acorda tarde, porque se come de tudo, porque se usa muito o tempo para o ócio, o fazer nada, a contemplação, as conversas descompromissadas, os desejos desembestados, proibidos e proibitivos.

A ida a espaços para ver o por do sol, tomar sorvete, comer pipoca e churrasquinho, bebericar, caminhar sem pressa, sem camisa e sem destino, ler sem compromisso, escrever, pintar, cantar, tocar, empinar pipa e jogar futebol fazem parte da lista de fazeres e não fazeres que esse tempo comporta. Tudo pode ser feito e não feito nas férias, e por isso elas são perigosas para os que vivem de impor limites, réguas e regras.

Um aspecto que se deve considerar é que essa lista pode ser feita em qualquer lugar, mas há lugares que são mais aprazíveis de que outros e não necessariamente distantes de onde se está ou do que se possa desfrutar. Nas cidades em que moramos, há sempre cantos e encantos que ficam ofuscados pelo peso do cotidiano, pela rotina que nos obriga a usar viseiras e ter visadas com foco na sobrevivência, nos compromissos, nos prazos, nos horários e no esforço para alcançar objetivos que nos afastam do bom e do belo.

O tempo de fazer nada é o tempo de descobrir a riqueza nos detalhes desenhados pela drenagem das águas vazantes nas areias das praias, das orquídeas nascidas em lugares inesperados, de ouvir pássaros despertando o amanhecer, de marolas ritmando nossos ouvidos, cheiros despertando a vontade de beber, comer, respirar, fazer carícias, ver touceiras de plantas tenras subindo muros e se amparando em fios, arames, grades, telas, telhas e vidraças. Férias, aposentadorias ou simples feriados podem ser tempo de se deixar ser humano, de se sentir digno de prazeres, com direito a degustações e deleites de todos os sentidos.

Entre trópicos e equador há luz e sombras, muitas cores e sons diversos. Nessa região a temperatura se alterna permitindo viagens e trocas entre interior e exterior, sem grandes custos para quem se deixe apropriar do que há ao redor, acima, abaixo e dentro de cada um de nós.

Neste espaço, tanto quanto em outros mais divulgados, há infinitas possibilidades de ser feliz. Há ilhas paradisíacas e continentes incontinentes. Há crianças inocentes e sábios mascarados de pobres diabos. O orvalho da manhã brilha antes do sol derreter. Há sempre um sabiá anunciando, serenamente, o amanhecer.

Há quem pense apenas em viajar durante as férias, e viajar para longe de casa, de sua cidade, do país. Para se descansar da rotina enfadonha não é necessário sair do lugar. Basta ser criativo e deixar o ócio vingar, brotar, se impor. Haverá sempre um prazer embutido em cada coisa que deixemos prender nossa atenção, o olhar despretensioso, ou a pretensão de não se comprometer com as amarras do cotidiano e dos cânones pré-estabelecidos, consolidados.

Lugares simples, capelinhas, caminhos de terra, trilhas nos bosques, banhos de riachos e cachoeiras, pedaladas, passeios ao redor da casa, do bairro, das ruas mais próximas, bate papo com vizinhos, tudo conta nesse momento de distensão.

Em Belém, esta cidade cercada de águas e ilhas, plena de luminosidade e verdor, calorenta e calorosa, há uma porção enorme de alternativas e uma que não passa despercebida é Mosqueiro. Ilha ligada por uma ponte, rica de opções culinárias, ventilada e morna, preferida por pessoas radicadas por essas bandas, ali se concentra uma turba de parentes e aparentados, amigos e agregados, conhecidos e a conhecer. Há muito encantos a se descobrir e desfrutar ali. Por muito tempo ainda... Um patrimônio histórico muito rico também se oferece nessa capital em que a borracha plantou raízes de muita história em casarões e palacetes. Isso tudo sem falar nos artistas que se expõem e exibem suas artes muitas vezes sem cobrar nada, a não ser a atenção de quem lhes queira dar esse prazer e reconhecimento.

Em Salvador, a despeito dos turistas que vêm atraídos por suas praias e patrimônio histórico reavivado por empresas que começam a cobrar por tudo, há os lugares emblemáticos e muitas festas durante todo o ano. E porque a festa gera emprego e renda, há festas tradicionais e eventos inventados, há espaços para se conhecer a comida, a música, a dança, a superfície e os subterrâneos da história da cidade. Durante as férias a atração para os moradores de Salvador são os turistas, se invertendo a posição dos papeis. Estrangeiros de todos os cantos consumem artigos da cultura local, bisbilhotam a vida alheia nos bares, botequins, lojas e mercados, praias e montanhas. 

Na Amazônia e no Nordeste, como em qualquer lugar do mundo, há muito o que se ver, fazer e não fazer para se encher o tempo da não escola e do não trabalho nas instituições publicas e privadas onde se ganha o feijão e a garapa. 

Mais ainda do que se obrigar a sair de casa, se pode viver esse tempo vago lendo ou assistindo filmes, novelas e programas de televisão, escrevendo versos ou arrumando velhos papeis e fotografias, fazendo comidinhas com mais vagar, viajando sem viajar. Devo, entretanto, cair na realidade e dizer que há os que não tem opção para cuidar da casa, fazendo pequenos reparos, ou ainda arranjando um jeito de ganhar um dinheirinho a mais nesses tempos de não emprego, em busca de uma renda extra. Mas isso é para outra crônica mais amarga que não pretendo escrever!...




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