quilômetros de susto - poemas de Roge Weslen

 



Raul Zito 


"utopia é achar beleza nas trevas de um país perdido" filme demência (1987), carlos reichenbach

 

arre, que eu não perca nunca o gosto por essa sina das grandes caminhadas real-visceraslistas! com os infrasóis, terríveis infantes, pivetes da vida. bolaño citando drummond na tempestade infrarealista de tudo: los alegres muchachos proletarios. faz um sol menos opressor e é chegada a época das chuvas na região, vou matutando pela rua que num dia assim, entre o caos o sol e frio dos tempos pasolini pariu os prantos de escavadeira, a tese famosa sobre os vaga-lumes, os últimos versos de seu testamento raivoso. quero mesmo é roubar tudo de todos e me repetir à exaustão, por pirraça e falta do que fazer, na busca do amor pela invenção, sobretudo no caminho inverso: o da invenção por dentro do amor, por suas paredes, seus túneis, seus vértices. penso ter conhecido bruno de menezes com olhinhos duros e apaixonados em um trapiche, na porta da casa de sua mulher, na vila da barca. nós dois, pobres, proletários, vândalos do apocalipse nos territórios de igapó compartilhando as dores da ressaca, do mundo, do trabalho braçal que é a escrita. a verdade é que de bruno restaram alguns livros, uma praça com seu nome, a eternidade do esquecimento que aguarda todos os poetas. ainda assim, peço pra ele uma vaga de aprendiz, poder apenas sentar com ele e seus comparsas num bar sujo do ver-o-peso dos anos 20. é a reunião da academia do peixe frito. vou olhando o céu, querendo ser a paisagem e o horizonte me toca, me toca o último texto do substack de Maíra Dal'Maz: notas sobre o horizonte/exercícios de contingência. a quilômetros de susto. mastigo a frase que não consigo engolir, pois indigesta: "nada é definitivo, tudo é simultaneamente estabilidade e risco. é uma onda que hesita entre matar e recuar." - esta nossa insistência visionária: a da verdade das coisas terriveis, terrenas. vou pelas ruas de terra do meu bairro, pisando forte nele e por ele sendo pisado. afiando os sexos como instrumentos de corte. afinando nossa ternura como um músico seriamente afina as cordas de seu instrumento. ficar para sempre, e ainda sim ir embora pela manhã. é tudo o que nos resta. nosso olhar entrega em mil tons de carinho a força secreta daquela alegria que mautner canta, matemática da fruição do desejo. tesão sem tensão, mas com o prazer do espanto. vou com a canção nos bolsos e a lembrança de um olhar que reflete o meu como um espelho. definitivamente na vida. algum medo e alguma esperança. nenhuma covardia para nós que seguimos na vanguarda dos sentidos compartilhados, trincheiras do sonho, do sorriso. depois de muitos anos um livro de kafka me encontra, os múltiplos sentidos de um artista da fome, sanguíneo. ser aquela ponte que nunca ninguém atravessou e cai sobre si mesma. como a estrada começa e a noite nos resolve, por engano. sem ilusões burguesas, só a dúvida, otimismo da vontade, pelas veredas do crime de imaginar. vamos juntos.

 

***

 

ir-se
   instalando no fio
     da imagem
ficar à espera
    de ninguém
nas esquinas do bairro
     demorar     demolir
   deriva sanguínea
calculando os fracassos
  
     é aqui mesmo o meu lugar-
corsário
 
   bem nas barricadas em chamas
do mundo das gentes
 
     pátria-pirata nas
asas do vômito
 
 
***
 
 
do acaso aos
milagres da imaginação
lugares de poder é todo e
qualquer lugar onde botamos os pés
e desfilamos nossa insanidade
para o asco e terror dos Estranhos
Embaixadores da Bondade
(eu também queria ter visto suas
faces quando nos vissem passar)
enquanto inventamos um país só nosso
e as fronteiras abandonamos
no tesão de uma língua
que apenas dois entendem
e no entanto
alfabeto não é preciso
caligrafia tão pouco
nossa história será contada pelas
ventanias do norte
e pela boca das crianças
hoje comecei a traduzir teu olhar
para o tupi -
uma língua que não conheço, tampouco domino
- entende?
é a hora de voltar para aquele pebellon escuro
da Universidade Desconhecida
com os delinquentes que sempre amei
na aurora obtusa e sem afago
desastres da imaginação.

 

 

 



Roge Weslen é poeta, morador da periferia de Belém do Pará. Autor do livro fantasma "ardências - primeiras paixões e desvarios" (appaloosa books, 2018), publicado em formato virtual. 


Variações: revista de literatura contemporânea 
XII Edição - quilômetros de susto: poéticas do não
Edição de Marcos Samuel Costa

2025

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