Mudanças de referencias - Gutemberg Armando Diniz Guerra




 Mudanças de referencias


Gutemberg Armando Diniz Guerra



         Os tempos mudam e, com ele, os costumes, as referências pessoais, coletivas, físicas e virtuais e exigem adaptações permanentes, metamorfoses, rastreamentos, engatinhamentos, encapsulamentos, ecdises, voos e aterrisagens. 

Ah, viver é sofrer com essas mudanças de parâmetros, é estar abertos para se adequar a cada uma das situações que vão se pondo diferentes a cada dia, exigindo construir certezas em novas bases e abrir mão de outras que nos eram muito caras e queridas.

Não adianta ficar brigando com o tempo, porque não é ele o grande vilão. O ser humano e seus sistemas de busca para ser feliz, priorizando individualidades e desprezando os coletivos, é capaz de enormes crueldades, umas conscientes, outras inconscientemente, mas todas nos fazendo sofrer o viver. 

É bem verdade que a cada partida de parentes próximos, colegas, amigos e conhecidos a impressão é de que há um cabo de guerra em que disputamos estar antes da linha limite que o outro lado nos impõe. Quem é que está do outro lado a tencionar a corda? Deus? O divino? O sagrado? O universo? O tempo? O cosmos? O nada? Só saberemos quando não aguentarmos mais fincar os pés, encrespar as mãos e ultrapassarmos a linha... 

A velocidade com que as coisas mudam nos fazem muito sofrer. Mal temos o domínio de uma tecnologia, ela se aperfeiçoa e os instrumentos de uso dela se tornam obsoletos, anacrônicos, velhos. Em poucos anos saímos da escrita a lápis e com caneta de pena, para a esferográfica, da máquina de escrever para os computadores gordinhos, agora mais comuns, magrinhos, portáteis, cabendo muitas vezes na palma da mão como telefones celulares e outros nomes de geringonças que se tornam cada vez mais complexas ao mesmo tempo em que se encolhem e podem ser escondidos nos bolsos e nas bolsas menores que se possa imaginar.

Na área das tecnologias informacionais, a guerra entre os grandes nos enlouquece. A velocidade com que temos que nos adaptar é desesperadora e o pior é que o pressuposto é de que elas são interativas, auto explicáveis, basta ir dando toques ou fazendo deslizamentos nas telas que tudo se resolve, mas... não é bem assim!

Livros? Eles existem e também já se transformaram e já não são só de papel. Podem estar na palma da mão obrigando a forçarmos nossa visão na telinha, ou acessível pelos áudios, nos ouvidos, cada vez mais distantes do tato áspero ou liso da celulose. 

Os alimentos podem ser pílulas ou sob formas práticas e industrializadas a tal ponto que eliminam as possibilidades de proximidade com a natureza e os sentidos. Alguns não tem cheiro nem cor, mas tem os nutrientes necessários para nos manter vivos e saudáveis. Os remédios idem, já não tem o sabor dos xaropes e chazinhos das vovós, nem das matriarcas que os faziam amargos ou doces, suaves ou ásperos, para nos curar e fazer crescer. 

As roupas não são roupas se não tiverem marcas famosas, como se as feitas por costureiras simples não vestissem ou, se feitas por nossas próprias mãos, não protegessem do sol e da chuva, do frio e do relento. Os sapatos também se reinventaram e mais do que calçam, acolchoam para que os nossos pés de astronautas não sofram o impacto da lei da gravidade.

Inventam-se verdades e mentiras de formas a que não se saiba mais o que é uma e o que é a outra. As escolas já não ensinam do mesmo jeito. Os padrões de brincadeiras se modificaram. Não é mais permitido faltar com o respeito ao outro do jeito que se fazia antes, como se falta de respeito nem existisse. Como se agredir fosse a regra e a normalidade. E era! Mas não é mais!

A violência era naturalizada e as pessoas aprendiam, ou faziam que aprendiam, obedeciam pelo medo, repetiam o que se lhes dizia ser o certo, e não pela compreensão de que aprender, obedecer e respeitar é bom, é digno, é salutar. O medo regia a sociedade e rege ainda. Mas há outras formas de aprender e ensinar e o diálogo é sempre o melhor instrumento, mesmo quando não saibamos e não queiramos exercitar e usar esse instrumento. Não há nada que uma palavra bem-posta não possa resolver.

As mudanças estão em pequenas e grandes coisas, e nem sempre conseguimos sair de um padrão para outro. Qualquer coceirinha nos ouvidos leva à busca dos velhos cotonetes ou, na falta deles, ainda se usa qualquer instrumento que permita tirar a cera escatológica que se acumula e deveria ser retirada nos asseios cotidianos. Há outros hábitos de higiene que permanecem embora as indicações médicas sejam outras. E há muitos!

Os cabelos dos jovens têm sido indicativos de liberdade desde a década de 60 do século passado. Se, àquela época, a liberdade estava no tamanho dos fios, hoje está nos coloridos, desbotados, pelados ou imitativos de jogadores de futebol ou personagens de jogos eletrônicos e filmes de desenhos animados vindos de locais que não os de onde se vive com os pés no chão. Cabelos são símbolos de poder, como os de Sansão, ou de sedução, como o das mulheres quando os deixam soltos para encantar os pretendentes nas horas do amor.

Não vou falar exaustivamente de gênero e sexo porque o tema exige mais do que as linhas que pretendo usar nessa reflexão. Quero dizer, entretanto, que há mais falta de respeito sobre a diversidade do que sobre a tentativa de unidade em algo tão amplo de possibilidades como é a sexualidade que ficou reduzida ao biológico e à função de procriação.

E as religiões? Inventaram mais diabos do que deuses e proliferam em templos e artifícios para extorquir e enriquecer padres, gurus e pastores sob alegações que fogem completamente aos parâmetros anteriores.

Enfim, estamos a precisar de redefinir as relações e os objetos com mais inteligência, atualizando as percepções congeladas no tempo e nos poderes constituídos. Há muito, certamente, a se manter, mas com certeza há muito mais a se adequar em registros diferentes dos que se tinha no passado. Virar a chave, mudar o registro é muito difícil, porque em muitos casos significa abandonar a zona de conforto e se confrontar com o desconhecido, por mais surpreendente e maravilhoso que ele possa parecer, ou descobrir que o velho é o que ainda satisfaz...

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