Resenha: Baú das lembranças - por Gutemberg Armando Diniz Guerra




 ARAÚJO, Cristóvam. Baú das lembranças. Belém: Editora Paka-Tatu, 2024.


Gutemberg Armando Diniz Guerra




Cada vez que leio uma obra confronto o título e a capa com o conteúdo porque tenho esse chamado como uma espécie de resumo mais denso do que vem depois apresentado. No caso de Baú das lembranças há dois substantivos apelando para o passado e um prefácio que remete a um baú de uma avó que guardava uma história de vida familiar e possivelmente segredos a serem desvendados ou simbolicamente traduzidos em objetos preferenciais ali carinhosamente acomodados ao longo de sua vida. Em baús, malas, armários, caixas, pastas, classificadores ou outros locais destinados ao acondicionamento, cada um de nós temos formas específicas de armazenar memórias agradáveis e dolorosas. A capa sugere esse tesouro em formas geométricas contendo pinceladas, riscos e cores que representam, quem sabe, esses complexos registros. 

Ao começar a leitura de Baú das Lembranças, de Cristovam Araújo, verifiquei a estrutura do sumário em que aparecem um Prefácio, seis partes subtituladas e preenchidas com números assimétricos de poemas, na seguinte ordem: I Afetos (11 poemas da página 19 a 31, somando 12 páginas), II Matinas (21 poemas, 35 a 59, contando 23 páginas), III De Amor e saudade (10 poemas, 63 a 75, em 12 páginas), IV Cotidiano (31 poemas, 79 a 127, em 48 páginas), V Fotos em versos (9 poemas e um texto intitulado em tempo, 131 a 148, em 17 páginas), VI Evocações (3 parágrafos em 2 páginas), ao que se seguem um Posfácio e um texto com o nome e as credenciais do prefaciador (em 5 páginas). Esses números são apenas cifras e não me pareceram dar nenhum recado, mas mesmo assim eu os registrei porque entendi ser o baú de Cristovam uma espécie de escritos resgatados ao longo de sua trajetória afetiva. Essa enumeração é, portanto, uma espécie de revelação de minha frustração de leitor preconceituoso, julgando que o quantitativo pudesse dar algum indicativo de maior ou menor intensidade a um daqueles compartimentos.

No primeiro bloco, Afetos, encontramos poemas singelos de manifestação de amor e amizades efetivas e tão intensas que nos colocam diante das pessoas que ali dialogam e merecem a atenção do poeta. 

No segundo bloco, Matinas, a carga é de amor filial, em saudações matinais carregadas de afeto, com uma vivacidade tão presente que não consegui associar a nada distante, longínquo, no passado. É claro como a manhã que o acordar do poeta é dedicado de maneira muito especial à sua filha.

No terceiro bloco, Amor e saudade, flui uma ponta de dominação dos de alguém que, apesar de ter partido para outro plano, permanece presente, de formas que a impressão que se tem é mais de estar do que de não estar, fugindo e se negando ao passado que o título induz. Talvez ali esteja mais evidente os dois substantivos aflorados no título.

O quarto bloco, Cotidiano, é o registro de posicionamentos políticos e ideológicos contrapondo, denunciando, negando e resistindo à derrota da Democracia nos anos 2016 a 2022 quando a extrema direita teve uma ascensão vertiginosa baseada em manipulações da grande imprensa, das redes sociais e do processo político nacional, reforçando valores conservadores e desmontando conquistas trabalhistas e humanitárias erguidas a duras penas. Esse conjunto é de poemas que gritam, bradam, explicitam claramente o sofrimento contido no baú da história de nosso país e de todos os que ousaram enfrentar os tempos mais turbulentos, sangrentos e ferozes que vivemos. 

O quinto bloco, fotos em versos, trata de imagens em fotografias publicadas em revistas, jornais e guardadas em arquivos pessoais, encerrando com o anúncio de uma descoberta histórica que seria profética por conter elementos analisados nas fotografias poemizadas, embora se mantenha enigmática nas reflexões feitas em prosa pelo poeta.

 Finda a leitura, fiquei me perguntando sobre a satisfação de Cristovam Araújo e de seus familiares e amigos ao se encontrar e ter esse artefato icônico à disposição para animar conversas em torno de mesas de ambientes sociais civilizados e afetivos, mas também ficaram ressoando em meu espírito alguns versos que poderiam ser de qualquer um que ama a poesia e os que lhe cercam. Abri alguns deles ao acaso e fiquei degustando, como quem beberica ou aspira um suave e agradável sabor e cheiro.

Se querem saber mesmo qual foi a minha mais forte impressão, não nego de que a expectativa é de que o mais precioso do baú deste escriba que ora resenho está por vir, e afirmo isso por conta do cuidado dele ao lançar esse primeiro volume como quem lança a isca para cobrarmos dele mais e mais. Que venham outros poemas tirados dos compartimentos não revelados do Baú de Lembranças. Eles sempre estarão dialogando com os guardados de cada um de nós...

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