ESCÁRNIO - Poemas de Jonas Pessoa

(Chagall, reprodução)
No fim da tarde,
as flores murchas
são o piso do meu chão.
Tudo é silêncio,
o beija-flor se afastou
e me desfolho sozinho
na pausa das cigarras.
A casa é áspera,
as paredes ferem
minha carne,
não sou herdeiro
de nenhum trono.
Tenho a agulha nas mãos
e não posso coser
minha pele,
ando assim,
esfolado,
entre uma multidão
metida na mesma
miséria que eu.
E esta
vasta
sol
i
dão
é a alma
da minha
c
a
l
m
a
ESCÁRNIO
Fosse o vento
poesia,
cessariam as penas
de minha solidão.
Se nossas mãos
se tocassem,
o prêmio seria
o júbilo.
Muito da nudez humana
são ódio e medo
abraçados
dentro de nós.
No meio da noite,
Encharcaram um indigente
alegando lavar
uma vergonha social.
Outro dia, acordei
no meio de uma
viagem quando
me despertaram
para os afazeres
da vida.
O chão está sujo,
falta cor -
agem
para ag
ir (a) onde
se diz:
so
corro
REGRESSÃO
Estamos mais desumanos,
empalhados
na ignorância.
Não deixaremos memória,
o presente
será um passado
como um rosto
perdido na lembrança.
Desaprendemos a viver,
a lição do amor
sequer foi estudada,
andamos de ré,
somos selvagens
como uma floresta
cheia de feras.
Como quadrúpedes,
ruminamos
a própria involução.
Os finados
choram nos túmulos,
nosso pão
tem mofo,
e a pele racha
para receber
as misérias
das luxúrias
que fazem
parte de nós.
SOB O ESCURO
A cidade está escura,
no cio, cadelas
ganem nas calçadas.
De um hotel barato,
ecoa um choro
após o sexo.
Um cavalo
pasta na praça,
com a cauda,
açoita uma varejeira
que bebe sangue
em uma ferida
de seu dorso.
Será que o sonho acabou?
O sangue no chão
era de uma mulher
que deu à luz
na rua,
cercada de pombos,
ávidos
para comer a placenta.
A luz ainda não voltou,
o escuro me traz medo.
A noite fareja
os hábitos dos homens,
em uma janela
de um sobrado envelhecido,
há um pano branco,
talvez seja um sinal
de que alguém ali se cansou
da violência.
Dois sujeitos passam e um chuta
a cabeça de um mendigo
enrolado em um pano
sujo debaixo da
marquise de um prédio
onde-se lê: aluga-se,
enquanto o outro
atira uma pedra na vidraça
e correm no escuro.
Depois vem a polícia
e detém o mendigo
que agora também,
já não tem o velho
cobertor.
TROPEÇO
Somos estátuas
vivas,
arejadas
no próprio silêncio.
Somos escuros
como sombra
móvel na parede.
Feito cão,
com glaucoma,
deitamos na vida,
obesos,
como gafanhotos -
roedores
de nossa carne.
Amputados de valores,
mascaramos
a sentença,
tornamos os medos
indeléveis
e cambaleamos
dentro de nós.
Indiferentes
à miséria alheia,
vagamos
expondo as impurezas
impregnadas no corpo.
JONAS PESSOA DO NASCIMENTO é cearense radicado em Brasília. É poeta, professor com pós-graduação em Língua portuguesa. Autor de O Grito (2010), Pedaços da Existência (2013), Palavras Trocadas (2015), Faces da (in)Diferença (2016), Lamentos (2017). Em 1993, foi um dos vencedores do “Salão de Dezembro de Poesia – Prêmio José Sarney de Poesia” com o segundo lugar nacional. Em 2018, foi vencedor do I Prêmio Amazonas de Literatura com o livro Chão Partido. Possui poemas inseridos em algumas antologias e sites especializados em poesias. No Facebook, é autor da página poética Poesia da vida.
curadoria e edição de marcos samuel costa
variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição


.jpg)
Poemas Belíssimos. Foi um prazer enorme lê-los.
ResponderExcluir