OS DIAS QUE NÃO ABROLHAVAM GIRASSÓIS - POEMAS DE MARVEN FRANKLIN

(Van Gogh - Natureza-Morta: Vaso com Quinze Girassóis, agosto de 1888)
OS DIAS QUE NÃO ABROLHAVAM GIRASSÓIS
I
Minha mãe sempre nos precaveu
acerca dos dias lerdos e tristes
que desabavam assombrosos
entre o cais do porto
& o cemitério municipal
(dias de epiderme acinzentada
que deixavam aterrorizadas as andorinhas
& não consentiam alçar voo as
borboletas).
As mulheres fechavam vidraças;
Os homens recolhiam-se em vigília
aguardando que essa atonia – tal qual o
arrastar
apavorantes de Lestrígones – cessasse.
II
Minha mãe continuamente nos advertiu
acerca da solidão que desmoronava nas
alamedas
sob mornos, nevoentos & abatidos
anoiteceres
– cantos macambúzios que ressoavam da mata
defronte
(Górgonas tropicais a arrebatar os pores do
sol
& fazer pachorrentos os passos dos ribeirinhos).
As antemanhãs turvas abrigavam a alma dos
antepassados
enquanto Dona Louca – a roubar flores dos
túmulos
– proferia:
– Flores para os vivos!
– Flores para os vivos!
III
Na Ave Maria
– ao toque minúsculo dos sinos – minha mãe
nos recolhia no regaço e ansiávamos
pela chegada de meu pai
(que pelejava – em assombro – em habituais
incursões
pelos confins).
Ah, eram dias que não abrochavam girassóis!
AS CORES QUE SOBRARAM
DAS PROCELAS
Cidade de
borboletas intensas
&
fulgores de relâmpagos cotidianos
a compor varandas
& existências
provincianas
(cidade de
rio azulado
que
improvisavam avenidas & pousos
em
minguadas sacadas
– repletas de gérberas amarelas).
Cidade de
noites mortas & inermes
com
segredos seculares
a despedaçar
benevolências
& utópicas veridicidades
(cidade de
gente pérfida
que
arranjavam tsunamis & solidão
em
quintais repletos de malmequer).
Ah, mas
pela beira-rio
ao menos
as fanfarrices de estrelas cadentes
& a
dança esverdeada das auroras boreais
(continham brados dulcíssimos
dos
ancestrais).
Ah, meu
pai & meu avô ainda estão aqui
catando as
cores que sobraram das procelas).
ACERCA DOS DIAS MORNOS
Para Benny Franklin
Os passos permaneceram atrelados
em paralelepípedos de nuvens
(Belém roeu meus anos
em paralelepípedos de nuvens
(Belém roeu meus anos
enquanto eu contemplava os dias cinzentos).
As centenárias mangueiras
arrotavam imponência sobre meu cabelo em
desalinho
(tristes-vidas fingiam felicidade
sob os galhos inundados do Solar da Beira).
A inapetência – de pijama estriado – deixou nódoas indeléveis
na calçada desconjuntada da Vila Esmeralda
(eu estive ali/estou ali & as horas sobrevinham
como envelhecidas locomotivas a caminho do fantasmagórico).
Meu mano Benny discorria sobre poesia beat
– ao engomar seu paletó ele cantarolava Dylan:
How many roads must a man walk down,
Before you call him a man?
(me disse sobre o aroma de rosas
que deixam os suicidas
ao alçarem voo).
Ah, as nuvens anoitecidas
que arrastaram paternidades
(mãos titânicas).
Minha vida ficou aqui/ali/ nos instantâneos
fotográficos – pendida à cristaleira
& quando antessentia a morte eu ia ao porto
– os mortos caminhavam na borda esperando Caronte!
Ah, as nuvens anoitecidas
que arrastaram paternidades
(mãos titânicas).
Minha vida ficou aqui/ali/ nos instantâneos
fotográficos – pendida à cristaleira
& quando antessentia a morte eu ia ao porto
– os mortos caminhavam na borda esperando Caronte!
Marven Franklin é professor, nasceu em Santarém e radicado em Oiapoque/AP. Autor do livro Rio Oiapoque [in blues]. Prêmio Literário LIVRARIA ASABEÇA & BIGNARDI PAPÉIS 2019. Menção Honrosa no XVIII Concurso Fritz Teixeira de Salles, 2020 e vencedor do Projeto Converso - Concurso Nacional de Poesia de Bolso, promovido pelo Fundo Municipal de Cultura/2020 de Betim/MG.


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O primeiro trouxe aquela história de cidade pequena. O esquife passa e minha avó chama e tenta distrair a criança que era. Mas era tarde: na cabeça a pergunta perpétua...
ResponderExcluirMeu querido Jonas sua leitura foi perfeita! Minha escrita é abarrotada de fatos passados...infância, família, gente , cores...
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