OS DIAS QUE NÃO ABROLHAVAM GIRASSÓIS - POEMAS DE MARVEN FRANKLIN


Vincent van Gogh – Wikipédia, a enciclopédia livre
(Van Gogh - Natureza-Morta: Vaso com Quinze Girassóis, agosto de 1888)

OS DIAS QUE NÃO ABROLHAVAM GIRASSÓIS




I

Minha mãe sempre nos precaveu
acerca dos dias lerdos e tristes
que desabavam assombrosos
entre o cais do porto
& o cemitério municipal

(dias de epiderme acinzentada
que deixavam aterrorizadas as andorinhas
& não consentiam alçar voo as borboletas).

As mulheres fechavam vidraças;
Os homens recolhiam-se em vigília
aguardando que essa atonia – tal qual o arrastar
apavorantes de Lestrígones – cessasse.

II

Minha mãe continuamente nos advertiu
acerca da solidão que desmoronava nas alamedas
sob mornos, nevoentos & abatidos anoiteceres
– cantos macambúzios que ressoavam da mata defronte

(Górgonas tropicais a arrebatar os pores do sol
& fazer pachorrentos os passos dos ribeirinhos).

As antemanhãs turvas abrigavam a alma dos antepassados
enquanto Dona Louca – a roubar flores dos túmulos
– proferia:

– Flores para os vivos!
– Flores para os vivos!

III

Na Ave Maria
– ao toque minúsculo dos sinos – minha mãe
nos recolhia no regaço e ansiávamos
pela chegada de meu pai

(que pelejava – em assombro – em habituais incursões
pelos confins).

Ah, eram dias que não abrochavam girassóis!





AS CORES QUE SOBRARAM DAS PROCELAS
  





Cidade de borboletas intensas
& fulgores de relâmpagos cotidianos
a compor varandas
                             & existências provincianas

(cidade de rio azulado
que improvisavam avenidas & pousos
em minguadas  sacadas
       – repletas de gérberas amarelas).

Cidade de noites mortas & inermes
com segredos seculares 
a despedaçar benevolências
                             & utópicas veridicidades

(cidade de gente pérfida
que arranjavam tsunamis & solidão
em quintais repletos de malmequer).

Ah, mas pela beira-rio
ao menos as fanfarrices de estrelas cadentes
& a dança esverdeada das auroras boreais

(continham brados dulcíssimos
                                           dos ancestrais).

Ah, meu pai & meu avô ainda estão aqui
catando as cores que sobraram das procelas).



ACERCA DOS DIAS MORNOS

                 Para Benny Franklin

  
Os passos permaneceram atrelados
em paralelepípedos de nuvens

(Belém roeu meus anos
enquanto eu contemplava os dias cinzentos).

As centenárias mangueiras
arrotavam imponência sobre meu cabelo em desalinho

(tristes-vidas fingiam felicidade
sob os galhos inundados do Solar da Beira).

A inapetência – de pijama estriado – deixou nódoas indeléveis
na calçada desconjuntada da Vila Esmeralda

(eu estive ali/estou ali & as horas sobrevinham
como envelhecidas locomotivas a caminho do fantasmagórico).

Meu mano Benny discorria sobre poesia beat

– ao engomar seu paletó ele cantarolava Dylan:

How many roads must a man walk down,
Before you call him a man?

(me disse sobre o aroma de rosas
                        que deixam os suicidas ao alçarem voo).

Ah, as nuvens anoitecidas
que arrastaram paternidades

(mãos titânicas).

Minha vida ficou aqui/ali/ nos instantâneos
fotográficos – pendida à cristaleira
& quando antessentia a morte eu ia ao porto

– os mortos caminhavam na borda esperando Caronte!





Marven Franklin é professor, nasceu em Santarém e radicado em Oiapoque/AP. Autor do livro Rio Oiapoque [in blues]. Prêmio Literário LIVRARIA ASABEÇA & BIGNARDI PAPÉIS 2019. Menção Honrosa no XVIII Concurso Fritz Teixeira de Salles, 2020 e vencedor do Projeto Converso - Concurso Nacional de Poesia de Bolso, promovido pelo Fundo Municipal de Cultura/2020 de Betim/MG.


Comentários

  1. O primeiro trouxe aquela história de cidade pequena. O esquife passa e minha avó chama e tenta distrair a criança que era. Mas era tarde: na cabeça a pergunta perpétua...

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  2. Meu querido Jonas sua leitura foi perfeita! Minha escrita é abarrotada de fatos passados...infância, família, gente , cores...

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