VARIAÇÃO SOBRE TEMA DE FROST - poemas de Pedro Mohallem
VARIAÇÃO SOBRE TEMA DE FROST
Poesia é o que se traduz na
perda.
Vermelho fruto malmente visto,
que a sombra atiras sobre meu
rosto,
por que me lembras tanto de
Cristo?
porque não toco, mas sinto o
gosto?
porque te acusas, na altura,
misto
de luz e carne, destino e mosto?
por não caíres se a lança enristo
contra teu cerne já decomposto?
vermelho fruto malmente visto,
tão menos visto que pressuposto,
é só por isto, é só por isto:
porque és a sombra sobre meu
rosto.
NAPOLEÃO
Quando o mais era azul e desolada
espera — fixo ponto exclamativo
na planície arenosa — tudo e nada
revelava-te a esfinge. Tu, cativo
de uma febre imortal que, sem
remédio,
ensolarava as lápides salinas,
tu te vias a ti, tão só, no tédio
sobrevivente às glórias e às
ruínas.
GANIMEDES
O príncipe pastor, a quem Cronida
sob as asas possuíra e aos céus
trouxera
para deitar o néctar que exaspera
e em rubros haustos decantar a
vida,
vendo no copo a imagem refletida
como se eterna visse a primavera,
ante o brado colérico de Hera
quase transborda a esplêndida
bebida:
"É morto o Pai", acusa
a irmã consorte,
"Por teu vinho mortal
envenenado,
troiano efebo." E, retesando
o porte
a Zeus tão caro, o dócil
Ganimedes:
"Na arte do Amor — se em
tudo o mais me excedes —
convém saber usar e ser
usado."
DE VÉSPERA; DEBRIS (2019)
A P.H.B.
Do pomo que se desprende
sobre o paladar maduro
(onde germina o presente
em seu estado mais puro),
atiramos as sementes
no árido solo futuro
(quanto mais dele se lembre,
tão mais amargo, mais duro);
mas no fruto que se ignora
— muito aquém dos nossos saltos
projetados contra o tempo —,
a defloração do Agora
(é para os pomos mais altos
a carne do esquecimento).
OZIMÂNDIAS
(tradução do soneto de Shelley)
Conheci um viajor de antiga terra
que disse: — Há no deserto um par
de vastas,
pétreas pernas, e, junto, a areia
encerra
um destroncado rosto, cujas
gastas
torções do lábio e gris feição de
guerra
mostram: cada paixão tão bem se
urdira
que sobrepuja, impressa na
aridez,
mão que a lograra e seio que a
nutrira.
E sobre o pedestal se vê gravado:
“Meu nome é Ozimândias, rei dos reis:
Tremei, ó grandes, ante o meu
legado!”
Nada mais resta: o escombro que
se alteia
ante o deserto liso e ilimitado
se estende a sós na imensidão de
areia.
Pedro Mohallem, 24, é mineiro e
mora em São Paulo. Mestrando em Letras pela Universidade de São Paulo, escreve
e traduz poesia. Autor de Véspera; Debris (Patuá, 2019).
curadoria e edição de marcos samuel costa
variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição


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