Babaçu Lâmina - poemas | Adriana Araújo, Adriano Aragão & Airton Souza

PINÓQUIO
o homem sentou no trono do mundo.
vou culpar Dona Carochinha
que botou fogo no pau oco
enquanto ensinava histórias sem futuro.
o homem sentado no trono do mundo
se engana sobre a natureza das coisas
mal talhado e podre
odeia a árvore, a carne e a foice
na corda atada ao pescoço
lê-se a ameaça:
o grilo são os outros.
Adriana Gama de Araújo¹
***
HÁ SANGUE NAS MÃOS
há sangue nas mãos
que nem o esquecimento é capaz de lavar
há sangue na memória amputada dos olhos
que testemunharam dores
[e choques e horrores
nos dedos em riste apontando o anseio
[pela supressão da vida
há ainda este tempo
[que nada deixa amadurecer
no entanto há vida
nas mortes que vivem sem explicação
na inútil tentativa de assassinar esperanças
no grito surdo das bocas silenciadas
em todas as formas de amor
[que resistem à vitória do ódio
há ainda este tempo
Adriano Lobão Aragão ²
***
|NÃO APRENDI A ESQUIVAR-ME DO INVENTÁRIO: HOMEM|
Para Carlos Drummond de Andrade e a todos que sucumbiram depois da tristeza
I
Não aprendi a esquivar-me do inventário: homem
porque o amor é triste, mas é óbvio
& isso importa quando flores rompem o asfalto
restituem as mãos ancoradas no silêncio da fraternidade
para confidenciar ao peito, embora frágil,
outras pedras no meio do caminho
e a irremediável profusão do enternecimento dos pássaros
que debruçados sobre telhados melancólicos
anunciam a palavra ternura dentro da aurora.
É necessário amanhã aprendermos a consolar os oprimidos
deixar ao chão dos desesperados
o apelo dos que nunca estiveram sozinhos compondo flores.
É preciso ainda nomear as cicatrizes sentimentais do mundo
profetizar manhãs paroquiais para os que amando
vão comunicando efêmeras solidões longe do mar.
No meio do caminho os ombros suportam o mundo
enquanto as retinas tão fatigadas
desenham especulações em torno da palavra comunhão
para comover o conceito infância e o ruído do nome desprezo.
II
Não aprendi a esquivar-me do inventário: homem
pois, levo comigo outras tardes de maio
& um olhar lavrado de barro e a candura dos que não dormem
ao compreender que o amor é irreversível e triste
e consome todos os outonos e seus hieróglifos
imperativamente vazios das coisas sobre amar e malamar
depois de ressoar o nu da fome antes do orvalho
dentro da carne e do testemunho dos que levam antigas manhãs
para não angustiar lugares onde não há improváveis jardins.
É necessário hoje atormentar a metafísica no coração do homem
dizer-lhe que ainda é tempo de falar: meu Deus
para não resumir auroras ou qualquer paisagem anunciada.
É preciso agora interromper a penumbra ou o escuro chão
espessamente espalhado pelas mãos dos que soletram o mundo
e ao longe ignoram a flor, a tarde e o asfalto rompido.
No meio do caminho os olhos amargurados suportam o mundo
falam dos que estão sujos de tristezas
e vão presos à toda pantomima
recompor a ternura depois da estrada de pó e esperança.
Airton Souza³
sobre os autores:
1 |Raposa/Maranhão/Brasil|. Poeta, mestre em História e professora da rede pública. Lançou Mural de Nuvens para Dias de Chuva (Penalux, 2018) e TRaNSiTo (Olho D'água Edições, 2019).
2 |Teresina/Piauí/Brasil|. Poeta, editor e professor. Agraciado com prêmios por alguns de seus títulos, é o autor dos livros Uns poemas (1998); Entrega a própria lança na rude batalha em que morra (2005); Yone de Safo (2006); as cinzas as palavras (amálgama, 2009); Os intrépidos andarilhos e outras margens (Nova Aliança, 2012); Os tempos e a forma (dEsEnrEdoS, poesia reunida + o inédito Entre áridos anseios dispersos). Publicou, em 2019, o livro de poemas e fotografias Destinerário (dEsEnrEdoS) e a segunda edição de Os tempos e a forma (dEsEnrEdoS/FCMC), incluindo o inédito Ainda havia carambolos nos muros. Possui poemas em revistas e coletâneas nacionais. Atualmente, edita o site http://www.desenredos.com.br/ e o blog Ágora da Taba.

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Excelentes , todos !
ResponderExcluirO prazer de leitura foi verdadeiro!
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