SEGUNDA OPINIÃO - literatura, crítica e humanidades por Douglas Oliveira
Poesia na vitrine
A
atual situação pandêmica em que o mundo se encontra, por circunstância do corona vírus, colocou-nos no centro de
um isolamento que vai além do social e econômico, a pandemia mexeu com a psique
humana. A situação se agrava a cada subida do gráfico da mortalidade pela
doença, a cada embate político pela abertura ou não dos comércios, e pela
dúvida: o que será de nós amanhã? O homem pós-moderno, que foi produzido desde
os tempos das revoluções industriais, recebe com estranheza a desaceleração dos
seus dias e o isolamento do seu convívio social. O homem, a nível Homo, viu-se, enquanto sociedade,
evoluir, a partir da eussocialidade, suas
relações cívicas. Edward O.Wilson, um dos principais nomes da biologia mundial,
em seu livro O sentido da existência
humana, levanta uma importante questão sobre nossos conflitos internos e
nossa relação com o social. Ora, o objetivo deste texto não é discutir evolução
humana, o que proponho ao escrever este artigo é o efeito da pandemia sobre a
mente humana, e como a literatura, sobretudo a leitura de poesia, pode diminuir
o estresse gerado pelo isolamento social.
Um estudo recente feito pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro apontou um aumento no problema de saúde mental dos cidadãos
brasileiros. A pesquisa usou um questionário on-line durante os meses de março
e abril, onde se entrevistou pessoas de vinte e três estados. O levantamento
apontou que os casos de depressão quase dobraram nesse período, e que o
estresse e ansiedade tiveram um aumento de 80%. Não é novidade que ansiedade,
depressão e estresse são doenças causadas pelo ritmo de vida acelerado que
levamos. Se a poucos meses éramos uma peça da frenética máquina do sistema moderno,
sistema esse que nos coloca num tempo compulsivo, o que somos agora quando as
engrenagens desaceleram? O sistema talvez tenha arrefecido, mas as peças, nós,
continuamos no ciclo da operação. O que antes era artigo de luxo, o tempo,
agora tornou-se anacrônico. Sandra Edler em Tempos compulsivos, afirma: O
sujeito e a cultura mantêm entre si permanente interação e, muito rapidamente,
aparecem as formas sintomáticas decorrentes das mudanças próprias da época.
A pandemia chegou trazendo mudança, rompendo de forma abrupta o ciclo da
escassez de tempo.
Quais ferramentas dispomos na vitrine do consumo on-line
que nos ajude a lidar com o tempo que agora nos parece infinito, sem
enlouquecermos dentro de quatro paredes? Sob qual perspectiva observamos o
vazio da rua? A pandemia mostrou-nos solitários mesmo cercados de gente. Chama
a atenção o distanciamento de muitos brasileiros com a arte, cabe ressaltar
como a ausência do contato do homem com a arte tem influência negativa sobre
ver o mundo e entendê-lo, principalmente neste momento delicado de pandemia. Portanto,
como, as artes têm sido um fármaco para o alívio do espírito humano nos tempos
atuais? A indústria do entretenimento disponibiliza em seus serviços de streaming uma leva de conteúdo para
todos os tipos de gosto, o que, de certa forma, tem ajudado a entreter uma
parte da população assinante do serviço, contudo, como se sabe, boa parte do
povo brasileiro não possui serviço básico de internet, o que dirá assinatura em
serviços de streaming. Resta-nos,
então, a famigerada programação da TV aberta e alguns acessos às redes sociais?
Esta última bem mais atraente aos consumidores de conteúdo instantâneo.
Em
tempo de pandemia e isolamento social, encontramos nas artes um modo de
suportar a realidade em que estamos inseridos [e confinados]. Séries, filmes,
documentários, música e literatura, ajudam-nos a não pirar dentro do nosso
objeto-fetiche, o tempo, mais uma vez aqui grafado. Em Poesia para quê? do escritor e crítico literário Carlos Felipe
Moisés, há uma frase que nos provoca reflexão: A poesia ensina a ver. Título do primeiro ensaio do livro, o que a
poesia nos ensina a ver que os demais gêneros literários possivelmente não
ensinariam, uma vez que ambos possuem o princípio da literariedade? Uma dose de
Dostoievski pela manhã, nos aliviaria a tensão da incerteza? Dante deixaria-nos
confortável com sua separação de império e igreja? Não há dúvida de que todas essas
leituras são indispensáveis ao conhecimento humano, todavia, o expurgo das
tensões do cotidiano, arrisco dizer, está na catarse da poesia. A poesia, que
desde os primeiros anos de escola aprendemos a rimar e dedicar aos amiguinhos,
a poesia que empregamos nos bilhetes apaixonados da adolescência, e a poesia
que inserimos num cartão de dia das mães com um “eu te amo”, vai além do jogo
métrico, rítmico e estético. Carlos Felipe Moisés diz: A poesia nos ensina a ver como se víssemos pela primeira vez. A
ideia não é o ensinar de forma pedagógica, porém a desconstrução lógica da
semântica das coisas e do dia. Manoel de Barros, no poema Livro sobre nada, dá um exemplo claro desse “ver pela primeira
vez”: Há muitas maneiras sérias de não
dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Se
observarmos a linha do tempo da história da arte, veremos que não foi raro a
presença de artistas e escritores com algum tipo de distúrbio psicológico, o
que não os impossibilitou de exercer suas genialidades, tampouco os impediu de
aliviar suas dores e inquietações no fazer artístico. A literatura tem como
matéria-prima a palavra; Ítalo Calvino nos diz: as palavras, como os cristais, têm faces e eixos de rotação com
propriedades diferentes, e a luz refrange diferentemente, conforme a maneira
como esses cristais-palavras estão orientados, conforme as lâminas polarizantes
são cortadas e sobrepostas. Renarde Freire Nobre, em seu artigo sobre escrita artística do pensamento,
pontua: Na poesia, as palavras, tal como
um cristal translúcido, estão orientadas de modo a gerar iluminuras e
sobreposições imagéticas.
A poesia está guardada nas palavras,
escreveu Manoel de Barros, e é nas palavras [poesia] que está o antídoto para a
resistência do medo do hoje e da incerteza do amanhã. Ler um poema, seja
deitado na cama, ou durante um café, alivia a tensão do espírito, reforça as
artérias da esperança e fortalece os ossos do desiludido. A poesia é terapia
para nossos dias ansiosos, inquietos e lúgubres. Portanto, bebamos da poesia
empregada nas palavras, façamos como Manoel de Barros, pensemos renovar o homem
usando borboletas.


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S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L
ResponderExcluirAdorei o texto ! ������
Maravilhosos argumentos. Parabéns Douglas Oliveira.
ResponderExcluirTexto maravilhoso. Amei!!!
ResponderExcluirPerfeito ❤
ResponderExcluirMuito.bom. lúcido , esclarecedor e nnecessario reafirmar a força da literatura q ajuda a nos curar
ResponderExcluirReflexões importantes, muito bom!
ResponderExcluirGrande resultado, parabéns.
ResponderExcluirA poesia está em todo lugar, precisamos dela. E as palavras são seu suporte.