E a imensidão - ficção de Marciel Cordeiro e Afonso Rocha de Jesus
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| Afonso Rocha |
Eu, a arte e a imensidão
Marciel Cordeiro e do artista Afonso Rocha
Vocês podem até não acreditar, vão dizer que é conversa fiada, coisas de escritor, mas o
certo é que foi uma situação pra lá de engraçada.
Ocorreu alguns meses antes de eu ter brigado com meu ex-cunhado, aquele mesmo que
tentou roubar o Caetano Veloso na praia. Não sei bem o que acontecia em Porto Seguro
naqueles dias, havia muitos estrangeiros na cidade, talvez fosse algum encontro de
artistas.
Eu caminhava pela Avenida do Descobrimento, num fim de tarde encantador, belo e
deprimente, com um crepúsculo dourado que parecia se fundir com a água cristalina do
mar em algum ponto do horizonte. Fui parado por um grupo de alemães, na verdade até
hoje não sei se todos eram alemães, mas era visível que o líder da turma era alemão.
Compraram águas de cocos e pediram que eu partisse o coco para que eles comecem da
massa interior. Modéstia parte sou bom com o manuseio do facão, segurei o coco na
mão esquerda e dei uma boa falcoada em um dos lados do coco, depois fiz o mesmo do
outro lado. Pronto. Os gringos falaram um monte de coisas em alemão e pareciam ter
gostado bastante da massa. Então o líder sacou uma nota de cinquenta Euros e me
entregou como gorjeta. Mas não era isso. Um dos rapazes do grupo falava bem o
português e me disse que estavam em um hotel ali perto e que eu estava convidado para
um encontro artístico, ou exposição, não me lembro bem o que ele disse. Aceitei o
convite e segui com o grupo em direção ao hotel. Deixei o carrinho na rua, olhei para os
meus trajes, e sabia que todos na recepção iriam imaginar uma poção de coisas sobre
mim. Mas não me importei. Subimos pelo elevador e fomos para um quarto bem
espaçoso. Não havia nenhuma instalação artística e sim uma festa particular. Serviram-
me bebidas que nunca antes eu havia bebido. E tudo me parecia divertido. Tocava uma
música que no momento soou bem aos meus ouvidos, e que só agora sei que se trata de
uma banda alemã chamada New!. Não fiquei acanhando e caí na dança junto aos
gringos desengonçados. O alemão que falava português me chamou no canto da sala e
me contou uma história no mínimo triste, dizia que o senhor que era o líder do grupo
havia nascido em uma cidade do interior da Alemanha, em Dorfen, que aos 12 anos de
idade sofreu um acidente, que um tratou capotou e decepou o seu pênis. Perguntei qual
era o nome do senhor e ele disse, que se chamava Klaus Werner. Prosseguiu com aquela
história triste, talvez quisesse que eu me comovesse, mas sou duro, não posso me
comover com todas as histórias tristes que me contam. Depois foi direto, dizia que o Sr.
Klaus pintava pênis em aquarela, que primeiro fotografava os pênis das pessoas e só
depois passava para a tela. Klaus era um homem de uns sessenta anos, gordo, com
inúmeras tatuagens no corpo, tinha os pelos da sobrancelha bem loiros e mascava
alguma coisa o tempo todo. Resumindo: Klaus me achou um belo exemplar da espécie
humana e queria pintar meu pau em aquarela. Agradeci os rapazes pela nota de
cinquenta Euros, pelas bebidas e desci para a rua.
Peguei meu velho carrinho de coco, caminhei até a avenida, deitei no paredão à beira-
mar e comtemplei a escuridão. O mar e a escuridão, toda aquela imensidão me fazia não
pensar no dia de amanhã.
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| Afonso Rocha |
Afonso Rocha de Jesus Jovem artista periférico nascido e criado no bairro da Gurigica em Vitória- ES, nascido no dia 12/02/1996. Atua no meio da ilustração e escrita, utilizando de sua pesquisa desenvolvida em memória individual e coletiva em seus trabalhos.Participa do movimento Hip Hop desde 2012, atuando no Rap e na literatura que ocorre na Grande Vitória, Se destacando e atuando em participações colaborativas de fanzines e livros independente neste período. Estudante de Artes Plásticas na Universidade Federal do Espírito Santo.
Marciel Cordeiro nasceu em 1992. É estudante de Serviço Social. Publicou o livro Caminho para Texas pela Editora Cousa, 2019. Cresceu em Rancho Queimado na Zona Rural de Alcobaça, interior da Bahia, onde trabalhava com a lavoura e o gado. Desde 2015 vive na Região Metropolitana da Grande Vitória. É escritor e fotógrafo.
curadoria e edição de marcos samuel costa
Variações revista de literatura contemporânea
2020
I edição



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