E ELE DISSE SIM - UM CONTO WELLINGTON RUAN
“Ele é o meu mistério” – pensava.
Por mais que tentasse era um mais querer do que poder. E eles, assim, nunca tinham a chance se ver. Se viram uma única vez, há muito tempo. E desde então, nada mais. Talvez pelo receio. Mas um tinha a certeza de que aquele era o seu um. Tudo começara há alguns anos: depois da primeira vista, veio o sonho. Dava-se início, então, ao mistério:
O mistério era que naquela outra dimensão, saíram juntos da escada rolante. As mãos se encontraram e logo, ao contornar o público, os corpos estavam juntos. Era possível sentir o beijo inteiro, completo, era melhor do que poderia ser. Era uma realização: fora seu primeiro beijo...
...quase infindável. Era seu primeiro beijo, de fato, pois ele nunca se quer tinha beijado, mas isso não impediu que ele fosse capaz de sentir o calor dos corpos juntos e o beijo memorável quase como se fosse real... e foi, em seus sonhos.
Anos passaram e tudo não saia do plano ideológico. Porém, como haveria de ser, a confissão veio e a declaração melosa cantou.
Era quase um livro de tantos poemas que escrevia para o outro. Ainda assim, nunca se encontravam. E foi em certa noite que tal coragem findou e tudo começou pelo convite surgido. Apesar da distância ter aumentado entre eles, esta era a primeira vez que estavam mais próximos:
Ele o convidou e ele disse sim.
Quando o dia chegou, tudo parecia ter sido organizado por uma grande equipe que aspirava por tal encontro e arquitetava por isso há muito tempo. A noite já se fazia presente, principal coadjuvante. No estômago, o frio da ansiedade arrepiava e os pés trabalhavam mesmo em tais condições para que tudo fosse perfeito.
“Existe amor em São Paulo?” – pensava enquanto dirigia. Era impossível não pensar nisso. Como era impossível controlar o coração que parecia bailar no peito de tão agitado. Ele cogitava as possibilidades e sair de Belém para São Paulo por amor, talvez fosse uma delas.
O seu sorriso mais lindo, a sua delicadeza mais real na fala e o seu olhar mais transparente e cheio de satisfação eram dados agora como um presente e juntos eles jantavam e falavam da vida. Juntos eles sorriam. E ele observava atento, cada detalhe. Como que numa tentativa de registrar cada segundo na memória. Nunca esquecerá: o amado emoldurado pela janela daquele restaurante naquela noite linda. Para ele, aquele mistério finalmente tornara-se palpável, era real, era vivo e estava lá, na sua frente, com olhos verdes que traziam a vida e o sentir novamente para o dentro de si, algo que ele já não conhecia havia algum tempo.
O sangue voltara a correr quente em suas veias.
Os olhos tornaram a brilhar.
O sorriso voltou a face.
Ele tentava não pensar nisto naquele momento. Sabia que se caísse em si, as lágrimas rolariam. Seria impossível conter. Então ele apenas sentia. Sentia o indizível.
No partir da noite, ele temia a despedida, mas era inevitável. No caminho repensava em tudo e se preocupava para que o silêncio não tomasse conta. E pelas ruas, a cada esquina, uma pontada era sentida. As curvas se davam na rua e aquela vontade de parar o carro era agoniante. Vinha do âmago. As palavras que ele gostaria de dizer de verdade não saiam e ele resistia. Era o medo de estragar tudo que o prendia. Mas os metros passavam e o motor roncava, ele repousava ao seu lado e juntos se encaminhavam. “Aquele não seria o fim”, e de súbito balbuciou em poucas palavras quase não ouvidas: quero um beijo teu. Preferiu pecar pela fala do que morrer com palavras nunca ditas.
...ainda tenho flashes insistentes, daquela nossa noite especial... me rendi e deixei-te me levar, apunhalado pelo teu beijo cai. Elevei-me em tua alma de prazer terno e delírios. É o que sinto ao pensar a ti em mim, como naquela noite entrelaçados, no meu primeiro beijo, logo antes de acordar e te perder...
E ele disse sim.
Beijaram-se: pelas mãos, pelo olhar e pela boca. Provaram um do outro com delicadeza, mas também com destreza. Era bom, cálido e o desejo interminável de que aquele momento nunca encontrasse um fim era vindo de dentro e ecoado pelo espaço. As mãos tateavam e guardavam as curvas na memória. Os olhos voltavam a se beijar, junto com o sorriso e o toque dos narizes perdidos enquanto os lábios tentavam se encontrar. Era ritmado, como uma orquestra e todos os seus acordes perfeitos tocando ao mesmo tempo. A melodia magnifica existia então e agradava àqueles interessados. Era difícil soltar, era difícil ter que ir. Ele perguntava: existe amor em São Paulo? E tinha como resposta: São Paulo é logo ali. Por fim, ele, então, entendeu: era um mistério alcançável e de beijo inigualável.
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Wellington Ruan é professor de Inglês na rede pública do Estado do Pará e residente em Belém. Publicou pela editora Penalux, Guaratinguetá-SP, seu primeiro livro de contos em 2015, intitulado Relações da Alma e voltou a publicar em 2019 no V Anuário de Poesia Paraense com dois poemas que estão neste volume. Publica este ano Infinito Quase, seu romance de estreia, para trazer a voz de um jovem LGBT, com seus tormentos e paixões, à superfície.



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Texto gostoso de ler. Parabéns, Wellington Ruan.
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