03 poemas de Vinícius Veloso

 



Andar no Centro é um exercício de descobrimento


Andar pelo Centro
é diariamente
um exercício de ternura
gosto de observar
os detalhes:
desde a escadaria
recém pintada
até o sol que de tão presente
chega a invadir a rua,
e de repente
aquele dia despretensioso
começa a me chamar atenção
então
vejo o taxista ocioso
vejo a vendedora de coco
e velhinhos na praça
discutindo os rumos da nação.
Vejo os boêmios no mercado
e o sorveteiro que assovia
e canta boi,
vejo os casais se amando
as bandeiras ao vento cantarejando
e lembro de junho que já se foi.
Andar no Centro
é diariamente
um encantar-se
e espantar-se
com o que ronda a nossa vista,
vejo uma vez mais o sol
que ocupa e encobre a pista
observo ao longe
o desembarcar
e o caminhar dos turistas,
mas de perto a realidade grita
observo pessoas passando fome
e vários dizeres e protestos
na parede que abriga
poetas e artistas.
Andar no Centro
é diariamente
um exercício de nostalgia,
vejo crianças correndo pelas ruelas
e empinando pipa
vejo carne seca na janela
e lembro de como a minha avó fazia,
vejo os lavadores de carro
escutando reggae
(que ecoa longe e toca bonito),
vejo a velhinha que caminha com dificuldade
e em sua cabeça, uma tábua de pirulito.
Andar no Centro
é diariamente
um exercício de pertencimento
pois não importa para onde eu veja
ou aonde quer que eu vá
eu sei que aqui
é o meu lugar!

A flor do abraço


A flor do abraço
heliotrópica
busca à luz do sentimento
a perfeita localização
um lugar onde não esteja a sós
como as sépalas, cálices e pétalas
que só funcionam juntas
na inflorescência dos girassóis.
A flor do abraço
enlaçadora
como se braços fossem
sempre abertos
e de prontidão
estende suas folhas
para que natural seja
abraçar outra alma
com o seu coração...
Instante esse em que o tempo para
Zera! E quando recomeça A flor do abraço já virou canção.
A flor do abraço
é a beleza do girassol
é o "carrossel das abelhas"
como diz o poeta
em metáfora
é a flor do sol
que eu desejo
sem aspas...

Poema sobre o nada ou Tinha um prédio no meio do caminho


O prédio atrapalha a minha visão
a vontade de querer enxergar o mundo de azul
de assistir às cinco e quarenta e cinco da manhã
o pôr-do-sol ao contrário
cinza alaranjado rosa amarelo
em contraste à feia arquitetura
que transforma pedra sem vida
em colunas cimentadas que atrapalham a minha vista.

Eu quero enxergar
bisbilhotar
debaixo das pedras
que não têm,
mas que abrigam:
vida.
Eu quero espionar
o verde musgo das briófitas
o desabrochar das borboletas
o cochichar dos bem-te-vis
a palavra voando fora da asa
o milagrar de flores

Eu quero atirar pedras no céu
e acertar algum homem de pecado
que dizem ser santo
mas há um prédio no meio do caminho
arranhando o céu
sem carinho
como um amontoado de pedras desperdiçadas
que sequer abrigam musgo
no meio do caminho há um prédio
que atrapalha minha visão
que tem nome de cidade europeia
ou de um homem branco qualquer
que minhas retinas fatigadas
traduzem livremente:
Ed. Dr. Zé Ninguém

Nunca esquecerei desse acontecimento...

Manoel de Barros me entenderia
Carlos Drummond de Andrade também.



Vinícius Veloso, 32 anos, de São Luís – MA. Relata "Minha relação com a poesia tem por volta de 10 anos, o que coincide com a criação e a manutenção do meu blog de poesia (Papo do Poeta), que é um espaço em que eu considero seguro e onde eu posso ser livre para falar de todos os sentimentos que a vida me desperta. Gosto de falar principalmente de amor e de saudade, mas também da minha cidade, das pessoas que observo, de refletir sobre a vida... A poesia é ampla e ilimitada, e a palavra delata qual a obsessão do poeta."


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VI Edição - todas as vozes
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2021

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