Rato de asas - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 




Rato de asas

Gutemberg Armando Diniz Guerra

Engenheiro agrônomo


Eles estão por toda a parte, convivendo entre os cidadãos nas calçadas, telhados, marquises, canais em diversas partes do mundo. Há quem os alimente e os faça pousar nas mãos, a lhes dedicar muito carinho e atenção. São verdadeiras celebridades na Praça de San Marco, em Veneza, no Central Parque, em Nova York, na Torre Eifel, em Paris, e aqui em Belém do Pará, em tudo o que é logradouro público ou privado.

Ao passar por uns deles que caminhavam à minha frente beliscando uns restos de pipoca no chão, ouvi uma voz atrás de mim declarar: _Ratos de asas! Era um senhor maduro. Fez a exclamação e prosseguiu, sem nenhum outro comentário. Olhei de imediato para o canal da Avenida Visconde de Sousa Franco. Havia alguns deles se exibindo na lateral da macrodrenagem mais famosa da cidade de Belém.

A exclamação do homem ficou martelando em minha cabeça. Associei a frase aos morcegos, consagrados no imaginário como vampiros em contos, filmes e romances fantasmagóricos ou de terror como personagens malignas e transmissoras de doenças as mais variadas. Fui para a busca nos sites com a frase que martelava-me o juízo e encontrei uma série de comentários e informações afirmando ou negando a propriedade do termo.

A memória foi sendo ativada para comentários que ouvi antes sobre a esterilização de pombos em grandes cidades na tentativa de diminuir a sua população e presença em monumentos históricos e residências, esparzindo fezes em lugares públicos e contaminando pessoas e ambientes. Eles não são os únicos animais alados a serem maltratados por seus hábitos e vivência entre os humanos, com possibilidades de transmissão de doenças ou por poluírem e despoluírem a nossa casa comum. Outros são de igual potencial, porém associados e tolerados de outras formas como os urubus e as garças, verdadeiros funcionários da limpeza pública nos centros urbanos, sem falar de corujas e gaviões, mais raros e menos prolíficos.

Ainda sobre eles lembrei das casas de antigamente em que havia pombais e nos campos da França que tive a oportunidade de conhecer, eram comuns e agora restam como relíquias as instalações dedicados a estes que além de serem apreciados em alguns pratos específicos, serviam também como mensageiros que lhe valeram significativas homenagens.

O que me ficou mesmo dessa reflexão foi a constatação de que o ser humano com a ocupação desenfreada do espaço, diminuindo as árvores nas ruas e nas praças públicas, cimentando, calçando, pavimentando, asfaltando tudo o que é canto a título de impermeabilização e higiene, obriga os outros seres vivos a estratégias de sobrevivência e convivência que revertem em efeitos colaterais que forçam os inteligentes a reelaborar sua relação com o mundo.

Ironicamente fiquei a me perguntar quem é mais sujo nesse universo diverso de presenças vivas e poluentes. Olhando para dentro do pútrido canal vejo os esgotos despejando um caldo fétido, a exalar odores desagradáveis e irremediavelmente me reporto a quem produz tamanha podridão!

Sim, há ratos, pombos, pardais, garças, urubus, papagaios, periquitos, bem-te-vis, carapanãs e muitos outros organismos, macroscópicos e microscópicos, a inundar o ambiente. O homem faz parte dele e não se dá conta da porcaria que faz...

Ao passar por pombos e pardais a partir de então, e ouvindo o que o homem disse xingando-os de rato de asas, recolho-me a minha insignificância com o receio de que eles, saindo de sua vulgar postura cordata, respondam com um impropério rancoroso e que possa vir a ofender a memória de nossas queridas genitoras: _Rato de asas é a...


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