VIRTUDES E VIRULÊNCIAS DO ANTROPOCENO - Gutemberg A. D. Guerra; Manoel Moacir C. Macêdo; Manoel M. Tourinho

 




Virtudes e virulências do antropoceno

                                          

Gutemberg A. D. Guerra; 

Manoel Moacir C. Macêdo; 

& Manoel M. Tourinho

 


A presença do homem e sua poderosa e efetiva intervenção no meio ambiente inspirou a popularização do termo antropoceno, justificado principalmente nos momentos em que acentuam os efeitos da ação humana em forma de catástrofes ou mudanças significativas na temperatura, pluviosidade, incidência excessiva de raios solares, entre outros efeitos na Terra. Embora reconhecidos os avanços científicos, tecnológicos e a democratização do conhecimento sobre os fatores climáticos, o modelo de gestão do planeta continua predatório e baseado na crença milenar de uma inteligência superior que condicionou os seres humanos ao sofrimento dogmático como resgate de seus pecados. Essas crenças impedem transformações nas formas de pensar e agir mais solidárias e saudáveis coletivamente, do que as práticas reproduzidas e ampliadas no consumismo pelo uso de recursos naturais não renováveis.

A reflexão sobre a configuração do espaço habitado e produtivo do planeta precisa ser expandida e compartilhada, além de sua compreensão, mas também na execução. Os professores e cientistas sociais Ignacy Sachs e Ricardo Abramovay, no ano de 1996, quase três décadas passadas, apresentaram dados sobre o processo de aglomerações humanas em cidades cada vez maiores, desfazendo rapidamente a configuração do campo como espaço de moradia associada à produção de alimentos, concentrando os investimentos em tecnologias intensivas em capital, substituindo a mão de obra por maquinários, introduzindo material genético sofisticado e agroquímicos sintéticos como nutrientes e controladores de ataques de insetos, fungos, bactérias, roedores e ervas indesejáveis como  expressão da receita da Revolução Verde da década de setenta.

Desertificaram-se os campos de vida social e adensaram-se as cidades com populações e problemas crescentes de habitações inadequadas, em locais indevidos, impermeabilizaram-se as grandes superfícies com pavimentação para rolamento de veículos, instalaram-se equipamentos reguladores de temperatura com liberação de gases prejudiciais à camada de ozônio, aumentaram os números de indústrias, multiplicaram-se indefinidamente os quantitativos de veículos para deslocamento de pessoas, mercadorias e informações. Esgotos e dejetos sólidos poluíram e mataram os rios, riachos e lagoas, construíram-se represas e barragens para produção de energia elétrica, alteraram-se os biomas, venenos contaminaram e inviabilizaram mananciais aquíferos, mineração e desmatamento desenfreados enfraqueceram solos, aceleraram-se os processos de assoreamento das calhas de drenagem pluvial. Cada ação referenciada contribuiu para o bem e para o mal dos habitantes do planeta. A neutralidade tecnológica foi rejeitada em suas externalidades ambientais e sociais e os benefícios que possam existir são apropriados por poucos. Da leitura do livro “Sapiens: uma breve história da humanidade, 2020” do historiador e professor Yuval Harari se depreende que o ser humano é o mais perverso habitante da Terra. O autor escreveu: “não acredite que nossos ancestrais viveram em harmonia com a natureza”.

Estudiosos do clima têm alertado sobre as alterações que tem impactado a Terra com reações cada vez mais rápidas da natureza. Respostas galopantes às agressões que tem sido perpetradas, obrigam gestores das diversas esferas da sociedade a se unirem para acudir às vítimas dos impactos advindos das ações antropogênicas. Desde que se iniciaram as críticas ao modelo de produção da Revolução Verde, os seus defensores trataram esses argumentos como produtos de imaginação romântica, religiosa, desprovidas de fundamentação científica, quando não destratadas com adjetivos impronunciáveis em ambientes de debates civilizados e fraternos. Agora estão postas as anunciadas externalidades, com as consequências sem a identificação de seus responsáveis, e nem o mea culpa pelas aflições e desespero das populações atingidas no planeta que acolhe a vida humana, animal e vegetal.

Carlos Walter Porto Gonçalves, saudoso geógrafo da UFF -  Universidade Federal Fluminense, propôs uma reflexão na obra “Os descaminhos do meio ambiente”, cujo fundamento se concentra na concepção do homem como ser superior e apartado da natureza. Essa perspectiva tem levado a humanidade a artificializar o ambiente a tal ponto que inviabiliza a vida dessa mesma humanidade no seu espaço de vivência. O debate continua em aberto e premente.


Os autores, são engenheiros agrônomos, cristãos e respectivamente PhDs pela École des Hautes Éstudes, França; University of Sussex, Inglaterra; e University of Wisconsin, Estados Unidos.




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