Entrevista com Sahmaroni Rodrigues


Entrevista concedida por Sahmaroni Rodrigues para Marcos Samuel Costa no dia 14 de julho de 2024 para a revista Variações.




01 - Sahmaroni nos fale um pouco do teu processo de escrita. E além disso, nos fale também de ti, quando esta escrita começou e por que ela começou? 


Em um livro meu, chamado O amante (ed substânsia, 2017), o narrador diz algo do tipo “a escrita é a lixeira da alma”. A escrita surgiu para mim como forma de extravasar, ainda criança. Nasci numa pequena cidade do interior do ceará chamada Catarina, minúscula, e nos anos 1980, ser criança viada era mais terrível ainda do que hoje, pois nem leis antiLGBTfobia existiam. Então, eu escrevia... antes de ser viado, era artista, criança, inventivo. Mas naquele contexto tudo vinha junto, era sinônimo (ainda é, parece). Então, eu escrevia contos, peças de teatro, organizava festivais de dança etc, até os 15 anos quando saí de lá para São Paulo. O clichê do êxodo nordestino. A escrita só voltou anos depois, em 2003, aos 23 anos, já na universidade, quando conheci meu terceiro namorado. Ele era do teatro e eu queria ser da galera das artes. Hoje, a escrita é um lugar de expurgo, mas também é um lugar de denúncia social e de pesquisa: palavra e realidade são muito bem escolhidas. Apesar da ansiedade, comecei a ler, reler e treler meu texto, de modo a buscar palavras e frases que façam o que quero dizer. Para isso, sempre parto de algo que ouço, vejo, sinto e começo a pesquisar sobre: ler, ver filmes, vídeos, músicas, etc.


02 - Como a sexualidade se manifesta na tua escrita e como a tua escrita se manifesta na sexualidade? 


A sexualidade é o modo como me relaciono com o mundo, é meu desejo de viver, de comer , de me movimentar, então diria que minha escrita é pura libido. Agora, reduzem nós LGBT+ a sexo e reduzem o sexo a muito pouco (heterossexuais tem muita limitação cognitiva e criativa em matéria corporal), e as vezes a gente até acredita. Gosto de experimentar: na linguagem, na sexualidade, no prazer, e tudo isso está muito ligado. Antes de me perceber gay, disseram que eu era gay, então, socialmente, tudo que eu faço é gay por eu ter esse marcador social, essa pequena dobra entre as tantas que me compõem: então, eu a distendo, estendo e comprimo... minha escrita é feita de fluidos e secreções corporais, como qualquer trabalho. Ah, e minha escrita tem me ajudado a liberar ainda mais essa gay que me habita! Meus personagens sofrem as dores que as relações sociais causam em todo mundo que é dissidente e com eles, eu choro, e resisto. Minha escrita me revolta!


03 - Nos conte do que se trata seu novo romance, quais percursos, caminhos de escrita, tempo de escrita?


Este livro novo chamado “O desvio” começou a ser gestado em 2022, e foi concluído em maio de 2024. Conta a história de Caio Sobreiro, um homem pardo de meia idade com dificuldades de lidar com sua orientação sexual, sua cor e sua origem familiar. É um romance com muitas camadas, um romance de formação em que conhecemos o personagem e suas camadas, em que ele conta episódios de sua socialização: o boom do HIV que foi chamado de castigo da natureza, viver o período em que se achava bonito quebrar gays, a retirada da homossexualidade do rol de doenças pela OMS, personagens caricatas na TV , etc. Busquei escrever diferentes episódios dessa personagem para expor seu sofrimento causado pelas relações sociais. É um livro bastante poético. Bastante político.


04 - Buscas uma ficção de experimentação ou tua escrita é naturalmente fluída?


Eu gosto de unir os dois. Recentemente, descobri que não estou sozinho no mundo, pois primeiro escrevo na cabeça, no corpo, com as mãos e vou sentindo o impacto em mim. Depois, sento e crio uma disciplina de escrita: nas férias, escrevo como alguém febril, fico em transe, enlouquecido, obsessivo pelo texto. Durante o período de aulas, tomo notas, programo 10 minutos por semana para escrever. Deixo o texto fluir. Em seguida, leio, releio, mexo, remexo. Até me sentir satisfeito. Tocado. Gosto muito de experimentar: misturo linguagens, discursos, idiomas, etc. depende muito do objetivo do texto.


05 - Quais tuas principais referências no processo de escrita desse novo romance?



João Silvério Trevisan com seu Devassos no paraíso, Sofia Fávero e sua Psicologia Suja, Pelo Cu do Saez e Carrascosa foram essenciais na pesquisa para compor o livro. Enquanto literatura, Annie Ernaux, Conceição Evaristo e João Silvério Trevisan.


06 - Indicarias uma playlist para esse novo trabalho?


Fiz uma, pois o livro é repleto de canções. Adoro música, e não sei escrever sem a presença de canções:

 https://open.spotify.com/playlist/53ovRRd9ge21irLd1xxowD?si=TF00jxXMTdqprtBZn39leQ&pi=9yLIn901SQKWO



07 - Onde comprar teu livro novo?


Está em pré-venda. Muito importante, inclusive que as pessoas adquiram em pré-venda, pois ajuda a editora no processo, e o autor e obra ficam bem avaliados por conseguirem cumprir a meta: https://benfeitoria.com/projeto/odesvio





Sahmaroni Rodrigues é natural de Catarina,CE, mas habita em Fortaleza desde 1998. Publicou Cantos (contos, 2012, Ed. Substânsia), Um cemitério de almas puras, (contos, 2018, Ed. Patuá), O amante, (novela, 2017, Ed. Substânsia), Eu ficava ali, desestabilizado pela impenetrável infelicidade do outro (microcontos, 2023, Viseu) e Você de pau duro ocultando as galáxias (romance, 2023, Folheando). É docente da Universidade Federal do Ceará.




Variações: revista de literatura contemporânea 

XI Edição - outras margens, nenhum limite 

Edição de Marcos Samuel Costa

2024

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