CRISTÓVAM ARAÚJO, UM RICO BAÚ REVIRADO - por Paulo Nunes
CRISTÓVAM, UM RICO BAÚ REVIRADO - por Paulo Nunes
Lembro de uma aula de estética e composição criativa, ministrada pelo poeta-mestre Paes Loureiro, no inicio dos anos 80, no antigo Centro de Letras da UFPA. Num dos tópicos de aula, o mestre esclarecia, a partir de suas leituras e de sua própria experiência, que o fazer poético modifica-se quando se trata de elaborar o poema ou a letra de música, formas singulares particularizadas. Falava, então, o autor de Pentacantos, que a escrita como composição musical demanda, dentre outros, a opção pelo diálogo com o parceiro da melodia, 'dono' da 'música pura', troca e diálogo estético, conchavo lúdico e técnico. Paes Loureiro lembrava que o poeta também é dotado de uma habilidade rítmica, pois ele precisa retirar do poema-letra o sumo de um canto que, grosso modo, sombreia-se nos acordes do músico, parceiro do poeta. O mais instigante exemplo entre nós, no Pará, é provavelmente o de Ruy e Paulo André Barata
Fiz este introito para tratar de um livro instigante, sugestivo, quando traz o significante ‘baú’, palavra simbólica para os que tratam das poéticas, sobretudo as orais. A antologia chega às minhas mãos autografada pelo auutor. Refiro-me ao Baú das Lembranças, escrito por Cristóvão Araújo e editado caprichosamente pela PakaTatu, cde Belém do Pará. A capa foi assinada pelo craque Geraldo Teixeira, artista plástico dos mais brilhantes, e prefácio de Osmar Tadeu, experimentado professor, um especialista nas letras de Chico Buarque. Vale ressaltar que o texto de Tadeu pode servir como uma espécie de bússola de leitura para se adentrar nos poemas de Cristóvam Araújo.
Cristóvão traz para este seu último livro a experiência de um inquieto criador da palavra, aquele que passou a vida entre o serviço bancário (“o feijão”) e a labuta com a arte da escrita (“o sonho”). Misto de letrista e poeta, Cristóvam é autor de alguns versos mais marcantes de nosso cancioneiro popular: "Vieste feito um gaiola/engravidado de redes/ Aportando no trapiche:/ Do dia a dia em memória...", como explicou certa vez o autor à jornalista Luciana Medeiros, esta letra é uma espécie de canção de exílio de um paraense no Rio de Janeiro. Mas voltemos ao Baú das Lembranças que é livro marcado por aquilo que Emil Staiger chamaria de literatura de recordação afetiva, atravessada pelo lírico.
Os poemas deste Baú das Lembranças estão organizados em 6 partes. Elas se configuram como interdependentes, e são de tal modo autônomas que poderiam compor pequenos opúsculos a serem editados à solta. Do ponto de vista do conteúdo, os poemas são feitos de memórias, da matéria mais humana: a exposição sentimental, marca das vivências do eu lírico, que, em geral, se misturam dando um amálgama que envolve os leitores a ponto de eles se identificarem com o passado do autor (eu-lírico e eu social se confundem), que passa a ser ressignificado pela ação de comover: a comoção, comoção rediviva.
Embora maduro, mostrando suas habilidades com a palavra, Cristóvam precisaria , penso eu, rever o emprego de determinados adjetivos e advérbios que não fazem falta a expressividade poética, e de certo modo engordam alguns poemas. Muito ao contrário, o emprego [desnecessário] de adjetivos tende a sufocar a imaginação dos leitores, que acabam por ser tutelados pelo sentimento transplantado do coração do criador para o coração do leitor. Essa estratégia, no meu entendimento, configura aquilo que Nietzsche qualificou como o fazer dionisíaco dos poetas, visto como excesso de emotividade. um exemplo disto se pode atestar no poema “Tarefas domésticas” (p. 29).
Outro questão curiosa está no fato de o livro não manter uma linha temática unificada; os assuntos são tantos e tão diversificados que expõem um traço característico de nosso autor: o exercício camaleônico com a linguagem, o qual o poeta, no alto de sua experiência, mostra que sabe usar. Isto tem como consequência, creio eu, a marca editorial desta antologia, que é de linha fortemente existencialista.
De todo modo é emocionante para leitores como eu, que têm Cristóvam como uma referência na Música Popular, lançar um livro tão bem tratado, elaborado com tanto sentimento. Quem folhear Baú das Lembranças perceberá talvez a maior virtude do livro: a versatilidade do escritor que, conforme diz Dalcídio Jurandir, num de seus textos, "se equilibra na linha do Equador" da criação literária.
Não se deve dar 'spoiler' em relação à leitura, mas os que optarem por folhear as 159 páginas deste belo Baú... perceberá a consagração de um poeta que se entrega, em prosa e verso (mais versos que prosa), desnudo a seus leitores, expondo-lhes seus prazeres e suas dores, figurando, pela força da metáfora, a necessidade de comunhão. Se é verdade o que nos disse certa vez Antônio Candido que a literatura é um sistema sociocultural que demanda o criador, a criatura e o receptor da obra, temos em mãos um livro que marca, pela sua cotidianidade e força expressiva, a vida de um poeta que, nas suas multifacetadas experimentações, faz valer a fama de um dos ícones de uma geração que marcou época na Belém dos anos 80 e 90.
BAÚ DAS LEMBRANÇAS SERÁ LANÇADO DIA 18 FEVEREIRO , 18 H. NO SESC VER-O-PESO. COM BATE-APO COM O AUTOR E SARAU LITERO-MUSICAL.



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