"Na cola de Dalcidio" - Paulo Nunes
(Imagem ilustrativa)
"Na cola de Dalcidio"
Paulo Nunes
Meio arqueólogo de rua, embora míope, tô seguindo os rastros de Dalcídio em Laranjeiras, Glória e Catete, da rua Santo Amaro à rua das Laranjeiras. Desconfio que ele tomava café na Pinheiro Machado, mas não sei o nome do botequim, sabe aquelas máquinas cor de prata, uma coroa no tampo... (Que cheiro bom o do café) bem próximo onde hoje temos um viaduto, Banco do Brasil, supermercado.
Depois de certa idade, Dalcídio usava um fundo garrafas, que por vezes esquecia de limpar, e quando o fazia, parecia que o mundo clareava diante de seus olhos: pura ilusão, ele logo se refazia, e pensava que esse festival das elites brasileiras jamais desvanescia, um conluio internacional de cifras e percentuais; meu Sao Sebastião, quando isso teria fim?
Sempre vigiado de perto pelos meganhas, o mais ilustre dos Pereira do Marajó tinha o respeito de parte substancial da inteligência nacional, acabara de ganhar o prêmio Machado de Assis, isso fizera os milicos pisarem no freio em relação a ele, uma vigilância mais flexível, talvez.
O futebol era o pão e o circo que anestesiava o povo, desde o tri campeonato no México: canarinhos usados como isca. Quando passava pelo Maracanã, Dal pensava no orgulho que sentia do Clube do Remo, que aprendera a gostar com Eneida, Bruno de Menezes, Jaques Flores, Tó Teixeira, enfim... o clube de Belém fazendo boa figura no certame nacional, como De Campos via-se feliz na redação do Estado, ali detrás da sua Remigton: quantas crônicas não sairiam desse entusiasmo todo?
Mas o coração do marajoara, agora, neste 72, vibrava em pó de arroz, Jurandir tinha uma quedinha, não totalmente assumida, pelo escrete das Laranjeiras. No Pará, azul marinho; no Rio: as tricor do Fluminense. Mas o futebol não era um dos inimigos da verdadeira revolução necessária?
Dalcídio Jurandir pensou em confraternizar-se com seus camaradas, Moacir Werneck o chamara para um convescote na cantina do Serafim. Jogar conversa fora, saber das novidades, no que valeria a pena investir... qual a editora para seu próximo romance? Eram uma 5 horas da tarde. Nosso Dalcídio caminhava, nao sem dificuldades, do Zacatecas na direção da rua Alice. De repente começou a sentir um suor estranho, o tremor do jambu tomou conta de seu braço direito, depois viria a espalhar-se pelo resto do corpo...
Dalcídio saiu do Pará, mas quem disse que o Pará sairia dele? Aquelas gentes todas do Marajó, os mercados de Belém, a embriaguez do Ver-O-Peso: supremo em cheiros e cores, alaridos.
Sudorese. Recostou-se no muro da Hebraica. Chegaria a tempo de encontrar Victor Judice, que lhe pedia uma entrevista? e o Werneck, ainda lá? Iria pedir a que desenhista a próxima capa? Pensou no doce de cupuaçu
que Maria de Belém mandara por intermédio de Benedito e Maria Sylvia. A Amazônia entrava-lhe pela boca.
Ah! os amigos, os amigos... O suor amainava, olhou pro céu. Será que ele, assim trêmulo, ainda ouviria as trombetas dos engels vermelhos, serafins da liberdade?
(Botequim Sonho Lindo, Laranjeiras, 2024 e Casa Passaredo, Benevides, junho, 2025)
Que maravilha Paulo Nunes. Dalcidio sempre inspirando suas melhores composições. Amo!!!
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