Virtualoceno - Gutemberg Armando Diniz Guerra

 



Virtualoceno


Gutemberg Armando Diniz Guerra



             A prática de classificação de tudo o que os circunda, para melhor entendimento entre os seres humanos, é praticamente uma necessidade. Em se tratando das dimensões fundamentais da percepção humana, o tempo e o espaço, estão dadas como referências as eras geológicas nominadas como pré-cambiana, paleozoica, mesozoica e cenozoica, cada uma delas com suas características próprias, mas todas baseadas em fenômenos da natureza. 

O termo Antropoceno teria sido criado pelo cientista químico holandês Paul Crutzen, vencedor do prêmio Nobel em 1995, que o teria popularizado a partir de 2000. Segundo a definição que vem se tornando comum e muito utilizada, o Antropoceno seria um período em que o mundo teria passado a ser dominado pela presença de objetos artificiais com maior volume de matéria seca do que a biomassa existente na natureza. 

Estabelecida a polêmica, podemos tornar o debate mais acirrado ainda se considerarmos que a influência de redes sociais e relações humanas virtuais sugere um novo termo, o virtualoceno, em que a presença de tecnologias de informação substituem tecnologias materiais e físicas, gerando muito mais valor e determinando comportamentos completamente inovadores entre humanos e não humanos existentes na face da terra e quem sabe, alhures.

Algumas tecnologias consideradas avançadíssimas até bem pouco tempo atrás, se tornam rápida e completamente obsoletas, como o cartão de crédito, substituído em muitos casos pela impressão ou identidade digital, facial ou reticular (olhar). Ainda assim, a matéria se presta como mediadora, mas nos induz a pensar em categorias que deem conta das transformações ocorridas nessa área.

Considerável e digno de atenção é que as relações humanas cada vez mais ocorrem por meios virtuais. Utilizando a lógica de classificação das eras geológicas, considerando que os processos de comunicação entre os seres humanos ocorrem majoritariamente por meios digitais e em grande parte utilizando a chamada Inteligência Artificial, dispensando o contato físico e a presença da matéria, nada me tira da cabeça de que estamos vivendo uma nova era:  a do Virtualoceno. 

Se apurarmos um pouco mais as nossas observações vamos nos dar conta de que os humanos acreditam mais no que veem em suas telas de televisão, computadores e aparelhos celulares do que no que se apresenta e pode estar diante de seus olhos, em um mundo concreto, real, embora crescente e gradativamente secundarizado. Diante dessa constatação e considerando que as telas lhe trazem para perto pessoas e objetos que estão localizados a metros ou quilômetros de distância, podemos usar o prefixo ou raiz tele para nomear esse período da contemporaneidade com o termo Teleceno. O tele pode significar tanto a área do visor, quanto a distância entre emissor e receptor, se quisermos utilizar uma categorização das teorias da comunicação.

Essas reflexões nos remetem, guardadas as devidas adequações, ao mito da caverna de Platão, no que se refere aos graus de certeza que as pessoas adquirem pelo confronto de suas percepções dos fenômenos físicos. O sentido da visão, passível do auxílio da audição, tato, olfato e gustação, em relação direta com os objetos, no mito da caverna se reduziam à projeção das sombras na parede da caverna. O condicionamento, no descrito por Platão, é dado pelo acorrentamento a que as pessoas estavam submetidas. A animação induzia a um encantamento, desprezando o auxílio dos outros sentidos, fazendo que os homens tivessem certeza de que a realidade era a extensão dada pelo efeito da luz projetando os objetos. No caso das telas modernas, sofisticadas com recursos da cibernética e de elementos da Ciência da Computação, associados a recursos da neurociência e outras áreas de conhecimento, induzem os homens a criar e produzir narrativas de convencimento e manipulação das consciências de tal maneira que se torna cada vez mais tênue a distância entre o real e o imaginário, entre a realidade concreta e a ficção, entre o fato e o falso. O condicionamento é dado por outros recursos de dominação que induzem as pessoas a crer que tudo o que aparece nas telinhas é reprodução da realidade, sem que se chequem as fontes de onde teriam saído aquelas informações. Essas reflexões são apenas um esboço de algo muito mais complexo do que poderíamos explicitar em textos dessa natureza e grau de profundidade, mas podemos pensar melhor sobre isso, principalmente no mundo contemporâneo em que estamos sendo bombardeados insistentemente para crer em dogmas e verdades que tem interesses muito mais do que escusos escondidos em cada um deles.

Dois problemas me parecem muito graves nessa nova era: o pressuposto de que a verdade é um fenômeno dado por uma via inquestionável, uma espécie de deus ou revelação divina - as telas - e a perda da capacidade humana de construir as suas certezas pelas dúvidas e experimentação como procedimentos legítimos, não heréticos. A introdução das telas nas mãos dos homens muda completamente a perspectiva de confronto com o concreto, e esse elemento aparentemente simples, é devastador. Preparemo-nos para lidar com essa forma virtual de perceber o mundo, sem perdermos a noção de realidade. A tormenta está em curso!!!

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