Resenha: PanAmérica de José Agrippino de Paula
Foto: livro de acervo pessoal de Patrícia Marcondes de Barros.
UMA AVENTURA FANTÁSTICA ANTROPOPFÁGICA PELA PANAMÉRICA DE JOSÉ AGRIPPINO DE PAULA
por Patrícia Marcondes de Barros
A obra PanAmérica (1967), produzida em meio ao devir do período militar, representou uma ruptura em relação às estéticas tradicionais da literatura brasileira, fundindo a realidade ao insólito por meio de um realismo fantástico. Nela, apresenta-se alegoricamente o imaginário americano da década de 1960, entrecruzando elementos da estética pop, literatura beat, contracultura, surrealismo, entre outros horizontes que se descortinam na esteira do experimentalismo tropicalista. A narrativa, composta por vinte capítulos, cada qual em um único parágrafo, descreve objetivamente as mais intensas e fantásticas aventuras do autor (também protagonista) no continente americano, ao lado de mitos contemporâneos que variam de produtores e diretores de cinema a astros da música pop, desenhos animados e personalidades políticas.
A densidade, originalidade e espontaneidade dessa obra semeiam uma dialogia entre o político e o estético, por meio de uma linguagem hiperbólica que nos leva a imagens surreais e fragmentadas, do psicodelismo hippie norte-americano ao cenário das ditaduras e guerrilhas na América do Sul. Esse livro, publicado pela primeira vez em 1967 pela editora Tridente, passou por duas reedições: uma em 1988 pela extinta editora Max Limonad, e outra em 2001 pela editora paulistana Papagaio.
Apresentado pelo autor como uma epopeia, ou seja, uma narrativa extensa sobre feitos heroicos e memoráveis, foi descrito pelo crítico e físico Mário Schenberg, em sua primeira edição, como "uma contribuição de importância internacional para a utilização literária de alguns dos mitos fundamentais contemporâneos". Na introdução dessa primeira edição, consta uma nota explicativa (PAULA, 1967, p. 7):
"Qualquer semelhança existente entre personagens da presente epopeia não é pura coincidência. Todavia, essas personagens aparecem no texto do autor como símbolos motivadores do mito, sem relação existencial com seu verdadeiro valor humano ou com sua vivência espiritual e carnal".
PanAmérica foi além dos ditames normativos, representando uma subjetividade polifônica, fragmentada e lisérgica, inerente à contracultura. O surrealismo do texto emerge na sucessão de imagens bizarras, evocadas do inconsciente em uma experiência que remete à libertação lisérgica dos jovens imersos na contracultura. A linguagem espontânea estabelece interseções com a literatura beat e com a linguagem cinematográfica, não apenas como temática ou fonte de mitos, mas como princípio de composição e organização da própria escrita.
Em uma primeira leitura, o texto pode parecer ininteligível, mas à medida que o livro é explorado, revela-se como uma "epopeia pop antropofágica", sintonizada com o cotidiano dos centros urbanos, industrialização, consumismo e comunicação de massa. A ausência de divisões formais entre parágrafos conduz o leitor a uma imersão lírica em um on the road por uma América desterritorializada.
A epopeia abrange desde Hollywood, onde o protagonista se apresenta como diretor de cinema, até a América Latina, onde se torna um guerrilheiro, navegando por fronteiras indefinidas, caracterizadas de maneira vaga, o que reforça a ideia de uma grande pátria latino-americana. Ao mesmo tempo, questões comportamentais da contracultura, como a liberdade sexual, são abordadas sem problematizações, mas sim com uma transcendência vivida intensamente na narrativa.
PanAmérica expressa a história de uma época através da apropriação de símbolos culturais e políticos, sem a pretensão de fazer uma revolução política tradicional. A obra é por si só, uma revolução estética e de conteúdo, em sintonia com a proposta de uma arte desterritorializada e subversiva. A crítica ao sistema, presente no trabalho de José Agrippino de Paula, faz parte de um movimento que transcende as normas e as fronteiras da arte tradicional, sempre buscando, como ele mesmo dizia: "fazer barulho".
Além de seus livros, o escritor fez incursões no cinema, com filmes como Hitler do Terceiro Mundo (1968) e também no teatro, montando, junto com a esposa, a bailarina Maria Esther Stokler, trechos do roteiro teatral Nações Unidas, publicado em inglês, originalmente em 1968 com o título de United Nations em edição mimeografada e ainda inédito em livro. Também produziu shows para o grupo Os Mutantes e depois se deixou levar pela onda hippie on the road, passando pela África, Estados Unidos e a Bahia, vivendo em comunidades alternativas. Em 1980, recebeu diagnóstico de esquizofrenia e desde então passou a viver em Embu das Artes, cidade do interior de São Paulo, em condições precárias, falecendo em 2007. A dimensão de suas produções artísticas alcança o século XXI ainda como transgressoras e vanguardistas.
Referência:
PAULA, José Agrippino de. PanAmérica. Rio de Janeiro: Editora Papagaio, 2001.
Comentários
Postar um comentário