DESMATAMENTO URBANO - Gutemberg Armando Diniz Guerra
DESMATAMENTO URBANO
Em Belém, na Rua Tiradentes, em frente aos prédios nominados como Felipe Patroni, Batista Campos e Eduardo Angelim, havia três ou quatro amendoeiras enormes, frondosas, magníficas, oferecendo sombra e frescor, além dos frutos generosos que se desprendiam em determinada época do ano. Morei em um desses condomínios verticais e fui usuário e admirador dessa paisagem. Ao passar por lá em caminhada matinal, surpreso, não encontrei mais nenhuma delas. Pisei, triste, na calçada de cimento grosso, inóspita, quente, agora hospitaleira apenas para veículos estacionados como projeção da garagem a céu e sol dos condomínios com o nome dos três líderes cabanos.
Do outro lado da rua, um pouco acima, outra amendoeira tinha sido brutalmente podada. Via-se ainda pelo chão pedaços do tronco serrado e galhos secos ocupando a calçada como um estranho rejeito que se acumulava, sem destino, sem importância, aguardando o beneplácito da municipalidade ou alguma chuva forte para levar tudo para as valas e bueiros da irregular drenagem da via asfaltada.
Continuei minha caminhada e fui vendo, fotografando na memória os absurdos que fazem com as árvores nessa cidade conhecida nacional e internacionalmente como das mangueiras. Há, certamente, muito mais do que mangueiras, pois acabei de citar amendoeiras, mas também ainda se encontravam e encontram ainda, como moradores das ruas cada vez mais cheias de veículos, oitizeiros, sumaumeiras, cajueiros, dendezeiros e muitas outras espécies de nossa biodiversidade vegetal nativa e exótica. É raro, mas já cheguei a encontrar outras frutíferas generosas como aceroleiras e até uma jaboticabeira em uma das calçadas do centro da cidade.
O dramático é que a flora vem sendo muito maltratada, cada vez mais com mais intensidade, seja pelas podas drásticas para liberar os fios elétricos e de comunicação telefônicas e de outros equipamentos sofisticados, dependentes de fibras óticas e estrambólicas para alimentar as necessidades da modernidade virtual e tecnológica, seja para alargar as ruas e dar espaço ao crescente número de veículos, construções verticalizadas e próximas das vias de circulação.
Olhando com atenção para a cidade, em particular no seu mais movimentado espaço, no centro da metrópole, vão desaparecendo o verde das ruas e dos quintais. Eles dão lugar ao cinza do cimento, ao negro das pavimentações asfálticas, ao colorido das fachadas ou ao brilho espelhado das vidraças que se colocam como paredes para conter a refrigeração artificial que empresta sensação de clima de montanha nos interiores e joga o ar aquecido justamente para fora de edifícios comerciais e residenciais. O calor externo, que é elevado por contingências equatoriais, é asfixiante, insuportável e choca com os frios contidos dos espaços internos das construções humanas em que se respira ares e frescor de montanhas.
O contraditório é que parecem ter se intensificado os maus-tratos ao ambiente justamente a cada vez que se aproxima o maior evento para debater sobre as alterações climáticas do planeta. Ignora-se, abertamente, o papel que cumprem os vegetais na regulação da temperatura na biosfera.
Embora haja quem resista e denuncie o desmatamento feito nas cidades, ele está se normalizando como se a urbanidade fosse, por si mesma, desprovida de área verde. Tenho observado árvores centenárias que, quando não suprimidas, vão se deformando ou se conformando aos paredões que se formam a cada nova construção vertical. Essa reconfiguração se dá pelas podas e pelo aumento de parasitas, como as ervas de passarinho, que proliferam livremente nas copas das árvores. Os cuidadores delas deveriam ser muito mais numerosos e competentes do que os que parecem existir, tanto quanto deveriam ser maiores os investimentos em equipamentos que pudessem aproveitar os resíduos resultantes das quedas de folhas ou dos tratos necessários às árvores da cidade. Não basta plantar e deixá-las crescer sem orientação. Tem que se dedicar tratos para manter as árvores sadias e não faltam engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas que possam ser empregados para orientar e fazer esses trabalhos a contento e muito eficazmente.
As quedas de árvores frondosas são cada vez mais frequentes na histórica cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, principalmente nos períodos de ventos e tempestades. Elas são decorrentes das podas assimétricas que deslocam o centro de gravidade das plantas justamente para onde há mais espaço para as copas, ou seja, o meio das ruas. Às proximidades das paredes, elas são cortadas, forçando ou permitindo o crescimento para apenas um lado, desequilibrando-as e deixando-as vulneráveis às rajadas tempestuosas e chuvas abundantes. Em alguns lugares, as podas fazem as copas assumirem desenhos diversos. Quando há espaço e criatividade, os podadores deixam a fiação passar pelo meio das copas, fazendo com que as árvores tenham configurações semelhantes a corações ou a pirulitos gigantes.
Há períodos em que a queda de folhas e frutos é mais intensa, o que mereceria uma programação para recolher essa matéria orgânica e levá-la para processamento e transformação em adubo ou energia. Cheguei a presenciar operação de poda em um bairro planejado de uma das cidades construída para abrigar os operários e funcionários responsáveis pelas grandes barragens do Pará. Durante e depois da operação, toda a folhagem e galhos eram triturados e colocados em caçambas para serem levados para uma unidade de compostagem. Feito isso, o produto era utilizado na adubação das plantas existentes no referido bairro ou nos espaços da cidade, como praças e logradouros públicos em que coubesse essa prática de nutrir as plantas. Talvez houvesse uma intenção de compensar ou diminuir os protestos pelos muitos danos ambientais provocados pela usina e represamento, amplamente divulgados pelo movimento ambientalista local, nacional e internacional.
O fato que vai ficando cada vez mais evidente é que vamos tendo desmatamentos não apenas no campo, para implantação de grandes empreendimentos do agronegócio, mas também, e não menos importante, a supressão vegetal sistemática vem ocorrendo cada vez mais intensamente nos espaços urbanos. Não deveria, mas que cada vez mais disso se aproxima, as observações nos fazem crer firmemente! É como se urbanizar fosse sinônimo de desmatar, impermeabilizar, cimentar, artificializar. Áreas arborizadas em avenidas e parques vão sofrendo sistemática redução, instalando-se arremedos de caramanchões, árvores raquíticas sendo instaladas e estruturas de ferro esteticamente estilizadas ganham corpo como se a decoração artificial fosse mais importante do que ceder à natureza. O argumento para eliminar árvores frondosas é variado, mas tem sua raiz na cultura judaico-cristã em que a natureza é objeto de dominação do humano. Ao humano cabe dominar, transformar, domesticar, urbanizar, disciplinar, ordenar a natureza.
Os arranjos oferecidos pela jardinagem rica em flores rasteiras ou de pequeno porte, o revestimento de antigos igarapés transformados em canais de drenagem da mistura de esgotos e águas pluviais, a falta de unidades de tratamento de água servida e dispositivos de captação de chuva, pistas coloridas para caminhadas e ilhas de purificação e de retenção de metais pesados estão sendo implantados em alguns pontos estratégicos da cidade, e isso é bom! Algumas dúvidas permanecem e outras gritam: como serão mantidos esses jardins e dispositivos coletivos instalados? E os bairros mais humildes, quando receberão o mesmo tratamento?
Voltando ao desmatamento e crescente ampliação das áreas destinadas ao rolamento dos automóveis, bicicletas e caminhantes, é evidente a diminuição das sombras de árvores frondosas ou de mecanismos que amenizem a intensidade dos raios solares sobre os humanos e não humanos. Se durante a manhãzinha e à noite alguns desses espaços possam servir para a contemplação e distensão das neuroses urbanas, os horários ensolarados serão cruéis e farão ferver o juízo dos pobres mortais que forem obrigados por dever a chegar no ofício, a transitarem a pé por esses parques lineares e orlas de concreto que margeiam nossas águas correntes. Ao observar a movimentação das obras que estão sendo feitas, não serão os fóruns dos grandes estadistas que debaterão esses problemas que afetam o cotidiano das pessoas, e nem serão neles que se darão as soluções para amenizar os efeitos climáticos da ação humana sobre o planeta! Sofreremos escrevendo, propondo reflexões, berrando até que ouvidos moucos se abram para o que importa: a qualidade de vida de cada um depende da ação de todos...
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