Artigo de opinião: A vida nos dias de COP30 em Belém do Pará - Gutemberg Armando Diniz Guerra
A vida nos dias de COP30 em Belém do Pará
Gutemberg Armando Diniz Guerra
O primeiro dia de COP30 amanheceu com uma lua minguante me espreitando pela janela, insistindo em me ver acordar. Até a Lua resolveu ficar mais perto da Terra, como se tivesse sido convocada para ver esse evento mundial sobre as evidentes e cada vez mais intensas mudanças climáticas. O barulho da cidade era mais reduzido do que nos dias normais, quando as aulas e repartições públicas estavam funcionando sem obedecer à lógica do controle que se instalou para receber representantes dos líderes de mais de 100 países que vieram se fazer presentes na 30th Conference of Parties, em Belém do Pará. Uma moto escancarou seu ronco de descarga para quebrar o clima de amenidade que até então me fazia tranquilo e feliz. Fiquei pensando em quem poderia ser esse alucinado estuprador de madrugadas...
O noticiário local se encheu de títulos e os termos mais usados passaram a ser os das iniciais que identificam o evento. Os canais de comunicação de outras regiões do país e do mundo enfatizam o fracasso do encontro, alegando pouca representatividade, preços escorchantes dos hotéis e alimentação, sujeira e mau cheiro nas ruas e canais. Os movimentos sociais de defesa dos direitos humanos, populações tradicionais, trabalhadores dos segmentos essenciais como educação, saúde, saneamento básico, transporte, comércio e outros manifestam suas insatisfações e renovam enfaticamente a necessidade de atendimento a suas reivindicações. Os moradores da cidade celebram a vinda de tanta gente e recursos para investimentos e aquecimento da economia local e há sentimentos contraditórios de deslumbramento e desencanto.
Há muita novidade na cidade e as pessoas se aproveitam antes que os visitantes vão embora e levem com eles toda a ambientação de cordialidade e ofertas que se apresentam e podem ser aproveitadas por todos os que vieram de fora, ou quase todos, ou ainda por aqueles mais nativos mais atentos e espertos para aproveitar oportunidades e ofertas. As mudanças climáticas podem ser imediatas ou remotas, mas a realidade é o agora, e o agora está sendo pródigo, porque pródigo é o momento para ganhar dinheiro, dizer tudo o que pode ser dito e denunciar tudo o que pode ser denunciado nesse ambiente de festa e embates que escondem e revelam as desigualdades e injustiças.
Às 8 horas um caminhão carregado de estacas reabastece a construção ao lado e me faz lembrar que, antes dela, o Parque Linear da Avenida Visconde de Souza Franco também teve esse mesmo som atordoante durante meses. É como se fossem ecos daquela obra ainda, agora bem mais perto, a me ferir os ouvidos e abalar minha estrutura emocional.
Belém verticaliza-se em edificações e condomínios que separam os pobres dos remediados e ricos. Há os que se deixam escravizar trabalhando em profissões humildes, porque trabalhos manuais não é o forte dos endinheirados e sempre se pode ganhar uns trocados nessa relação anacrônica e brutal.
Os grandes grupos econômicos que mais desmatam, poluem o meio ambiente e liberam as maiores taxas de carbono para a atmosfera assinam acordos e abocanham a maior parte dos recursos estatais que deveriam se destinar à recomposição florestal, apoio a comunidades tradicionais, produção agrícola sem venenos e manejos adequados das culturas.
Organizações dos segmentos maltratados esbravejam, protestam, ocupam instalações destinadas aos milionários e tentam ser vistas ao máximo, mas a imprensa as desdenha e esconde. Nas redes sociais, as bolhas multiplicam propagandas das diversas visões sobre o apocalipse. Os religiosos incitam à submissão, os rebeldes questionam e fazem ações diretas e indiretas tentando a revolução que há muito foi sufocada nos partidos e associações de trabalhadores. Os representantes do capital estão à cavaleiro e tiram proveito daquilo que sempre desdenharam: o fim do mundo pela agressão ao meio ambiente.
Os dias se sucedem escancarando contradições. Catadores de resíduos aumentam suas receitas justamente nos locais onde os conferencistas se reúnem para discutir como produzir menos impacto ao meio ambiente. Indígenas protestam ao sol, adoecidos e excluídos dos debates que ocorrem nas zonas verde e azul, historicamente desmatadas e com estruturas climatizadas com poderosas máquinas de refrigeração. O discurso da liderança feminina Alessandra Korap Munduruku é o mais contundente e claro depoimento que se possa ter sobre os males da sociedade capitalista dita moderna e colonizadora sobre a vida humana.
A diversidade dos participantes é muito grande, tanto nas cores das peles, que vão do pálido ao ébano, quanto nas etnias, que se manifestam em indumentárias à base de plumagens, tecidos de origens vegetais e pinturas étnicas com estéticas variadas nas formas geométricas e simbólicas, incorporando natureza e arte.
Há cobranças de toda parte e certamente que há pagamentos sendo feitos, mas não aos que sofrem o impacto das agressões ao meio ambiente e em particular a comunidades tradicionais com suas terras e culturas alteradas, contaminadas, negadas, invisibilizadas e suprimidas.
O desfecho de uma parte importante do evento se encerra com uma manifestação enorme, com milhares de participantes desfilando ao som de músicas de estilos diversos e ao sol inclemente de uma manhã cristalina e calorenta por cima e pelo asfalto escaldante sob os pés que caminham, marcham e dançam acompanhados de ritmos vibrantes de desagrados e desagravos à mãe terra.
A sensação é de que todos sairão satisfeitos de terem participado dessa manhã tanto quanto dos outros dias em que muitos esclarecimentos foram feitos, os aliados se reconheceram tanto quanto identificaram e desmascararam os inimigos da humanidade e do planeta. Possivelmente muitos sairão com mais perguntas do que respostas, com mais dúvidas do que certezas, e esse talvez seja o mais positivo de todos os resultados desse encontro entre as partes.
Resta saber quanto de mudança em cada um de nós terá sido feita para que cuidemos de nós mesmos, de nossas cozinhas, de nossos jardins e quintais, de nossas ruas, parques, bosques e florestas que, alterados, impactam toda nossa casa comum!
A Cúpula dos Povos da COP30 se encerra, mas deve deixar um sentimento de assembleia geral permanente porque são os gestos do cotidiano de cada um de nós que poderão impedir o Apocalipse e o caos mais do que anunciado e cada vez mais presente...

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Mesmo com o encerramento da COP, esperamos que o clima da assembléia geral permaneça em tod@s, e se fortaleça a conciência pela necessidade de mudanças de hábitos, pelo bem de toda a humanidade que depende do planeta. Abraços cordiais.
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